São Paulo, sábado, 11 de janeiro de 2003

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Washington decide entrar nas negociações da crise

Chico Sánchez/Reuters
Policiais protegem a entrada de agência do Citibank aberta ontem em Caracas, no segundo dia de uma "paralisação bancária total"


MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Os EUA decidiram intervir nas negociações lideradas pelo Brasil e por outros países para solucionar pacificamente a crise política na Venezuela.
Segundo o porta-voz da Casa Branca, Ari Fleischer, os EUA estão "profundamente preocupados" com as turbulências venezuelanas e decidiram formular uma estratégia para solucionar a crise junto com os "amigos da Venezuela" - grupo até então liderado pelo Brasil que tem buscado um acordo entre o presidente Hugo Chávez e a oposição.
A decisão dos EUA de intervir na crise foi antecipada pela edição de ontem do "Washington Post" e confirmada, de forma retificada, pela Casa Branca e pelo Departamento de Estado.
Citando fontes anônimas, o diário relata que a proposta americana seria uma alternativa à estratégia do Brasil de buscar uma solução fora do hemisfério e à margem dos EUA e da OEA (Organização dos Estados Americanos).
O "Post" diz ainda que a decisão americana teria como pano de fundo a iminência de uma crise nos preços de petróleo, causada por um eventual conflito militar no Iraque. Quinto maior produtor de petróleo do mundo, a Venezuela sustou as exportações devido à greve contra Chávez. Até a semana passada, os EUA haviam se mantido longe da crise.

Mal-estar
A matéria do "Post" causou mal-estar profundo na diplomacia brasileira por ter, segundo diplomatas, desfigurado o sentido da iniciativa do governo Lula e desprezado o fato de o chanceler Celso Amorim estar costurando um acordo para a Venezuela diretamente com o secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, com o qual conversou duas vezes somente na semana.
Segundo fontes do Itamaraty, os EUA teriam subtraído a paternidade do plano brasileiro e sugerido que o governo Lula estaria quebrando a tradição hemisférica de buscar soluções para seus problemas dentro da região, não fora.
Durante a tarde de ontem, os EUA tentaram reduzir o estrago causado pela matéria do "Post". A Casa Branca confirmou oficialmente a decisão de participar das negociações dos "amigos da Venezuela", mas informou que o Brasil tem trabalhado em parceria com EUA e OEA, ao contrário do que relatara o "Post".
O governo americano disse estar trabalhando "em profunda cooperação com o Brasil" para ajudar César Gaviria, secretário-geral da OEA, responsável pela mediação do diálogo entre Chávez e a oposição venezuelana.

Incômodo dos EUA
Apesar da retificação, fontes do Departamento de Estado confirmaram à Folha que o mal-entendido "pode ter-se originado" do incômodo dos EUA com as ações iniciais do governo Lula na Venezuela - operadas, ainda em dezembro, pelo conselheiro para assuntos internacionais do governo brasileiro, Marco Aurélio Garcia.
Em viagem a Caracas antes da posse de Lula, Garcia recebeu do presidente venezuelano o pedido de formação de um grupo de "países amigos da Venezuela" para ajudar na solução da crise.
Chávez e Garcia despertaram no governo americano o receio de que o Brasil estaria articulando uma solução externa para a crise no país, desprezando os EUA e os esforços de quase um ano de Gaviria para obter um acordo.
O mal-estar foi causado porque, ao sair do encontro com o presidente venezuelano, Garcia disse que Chávez havia proposto a inclusão de países como Rússia e França nesse grupo, sem citar Gaviria ou a OEA.
O Itamaraty alega que as conversas de Garcia foram "exploratórias" e que a posição oficial brasileira é a de negociar em conjunto com os EUA. No entanto o funcionário americano disse à Folha que "a duplicidade" de vozes da política externa brasileira pode ter causado uma "confusão".

Pressões domésticas
No final do dia, funcionários dos dois países disseram que os ponteiros foram acertados e que a matéria do "Post" fora um "mal-entendido". Mas o episódio evidenciou as pressões exercidas por radicais domésticos sobre os presidentes George W. Bush e Lula.
Setores conservadores americanos forçam Bush a romper com Chávez e pedir eleições antecipadas. Prova dessas pressões é o fato de o próprio porta-voz da Casa Branca, Fleisher, ter dito que as "negociações pacíficas" deveriam conduzir necessariamente a eleições antecipadas.
Já setores de esquerda do PT exigem de Lula uma solidariedade incondicional a Chávez. Esses setores tem respaldo na figura de Marco Aurélio Garcia.


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