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ANÁLISE
"Pax Americana" na Ásia é ameaçada
PHILIPPE PONS
DO "LE MONDE"
Ao renegar o tratado de não-poliferação nuclear, a Coréia do
Norte agravou uma crise que põe
em xeque todo o sistema de alianças sobre o qual se baseia, há mais
de meio século, a chamada "Pax Americana" na Ásia e que se traduz por um vaivém de emissários
americanos, asiáticos e russos nas
capitais da região.
Apesar de uma unidade de fachada, americanos e sul-coreanos
têm visões divergentes, não sobre
a condenação do programa nuclear norte-coreano, mas quanto
à maneira de fazer Pyongyang enxergar a razão.
Mais ainda do que a Coréia do
Norte, é a Coréia do Sul, onde estão 37 mil soldados americanos,
que preocupa George W. Bush,
afirmou recentemente o "New
York Times". Isso porque Seul foge de seu papel de vassalo dos
EUA, dissociando-se da política
de estrangulamento econômico
da Coréia do Norte conduzida por
Washington. ""O isolamento de
um país comunista nunca foi eficaz (...), e não queremos voltar à
Guerra Fria", declarou o presidente sul-coreano, Kim Dae-jung.
A intransigência da administração Bush, atolada em seu discurso
sobre o "eixo do mal", fez com
que uma questão menor -um
programa experimental norte-coreano problemático de enriquecimento de urânio- degenerasse
numa escalada de tensão que, hoje, conduz a um impasse: a política da força, quando não é apoiada
por uma ação diplomática, conduz unicamente a soluções guerreiras. Acontece que, no que diz
respeito à península coreana, a diplomacia americana parece carecer de apreciação do terreno e resumir-se à "aversão visceral" de
Bush pelo dirigente norte-coreano, Kim Jong-il.
Nos últimos dois anos, obcecada pela tarefa messiânica de "torcer o pescoço" do mal, a Casa
Branca parece não saber com
quem está lidando. Hoje ela descobre um adversário hábil, mas
também uma jovem democracia
sul-coreana, com mais confiança
em si. Ao insistir no caminho do
confronto com a Coréia do Norte,
Bush corre o risco de envenenar
suas relações com Seul.
"Guerra preventiva"
Ninguém na região nutre ilusões quanto ao regime de Pyongyang, e agir como o grande vilão
da história é uma imagem feita
sob medida para ele. Não obstante, por razões geopolíticas (especialmente o desejo da China de
manter um Estado-tampão entre
ela e a Coréia do Sul), assim como
por outros motivos que dizem
respeito à natureza do regime, o
poder de Kim Jong-il não parece
estar a ponto de entrar em colapso. É preciso, portanto, jogar outra carta e oferecer a ele alguma
coisa em troca da ameaça que ele
brande. Pyongyang não quer a arma nuclear por ela mesma
-quer negociá-la. É ameaçador
por seu arsenal militar, é verdade,
mas mais ainda porque se sente
ameaçado -e não é sem razão.
Após o acordo de 1994 com
Washington e o início de reconciliação com a Coréia do Sul, a Coréia do Norte parecia ter empreendido um caminho de um
certo apaziguamento. Desde que
chegou ao poder, Bush rompeu
esse equilíbrio, exigindo que fossem incluídas as armas convencionais nas negociações sobre
mísseis -proposta que, previsivelmente, a Coréia do Norte recusou. Em seguida, Bush rejeitou a
política de reconciliação do Sul
com o Norte, que incluiu em seu
"eixo do mal". Com a doutrina de
"guerra preventiva" contra os Estados que supostamente apóiam
o terrorismo, a Coréia do Norte
tornou-se um alvo potencial. O
regime se enrijeceu e, ao que parece, retomou seu programa experimental de enriquecimento de
urânio para poder ter uma carta
com a qual negociar.
Como Pyongyang "violou" o
acordo de congelamento de seu
programa nuclear de 1994, os
EUA e seus aliados passaram a
suspender as entregas de petróleo
prometidas nesse acordo. Pyongyang reagiu recolocando em ação
sua central nuclear, paralisada em
1994. Que o regime de Pyongyang
negocie geralmente de má-fé não
é novidade, nem tampouco que
recorra à chantagem. A Coréia do
Norte está em situação desesperadora e não possui outras cartas a
jogar. Mas, diante de uma Coréia
do Norte contra a qual o recurso à
força está excluído, resta apenas a
possibilidade da negociação.
A intransigência americana na
questão coreana ilustra os limites
de um unilateralismo repudiado
até mesmo pelos mais fiéis aliados
de Washington e que conduz ao
impasse atual. Para sair dele será
preciso retomar o esforço regional conjunto e, no que diz respeito
ao presidente Bush, cuidar bem
dele, para não correr o risco de fazer rachar todo o sistema de aliança americana na Ásia.
Tradução de Clara Allain
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