São Paulo, domingo, 11 de fevereiro de 2001

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ORIENTE MÉDIO

Autoridade Palestina perde controle sobre levante popular; cerco imposto por Israel fortalece líderes locais

Intifada traz anarquia a território palestino

JUDY DEMPSEY
DO "FINANCIAL TIMES"

A eleição do linha-dura Ariel Sharon como próximo primeiro-ministro de Israel pode trazer resultados ambíguos para os palestinos. Por um lado, lhes dará uma razão para reforçar a Intifada (levante popular); por outro, os desviará da necessidade de estabelecer uma boa administração e preparar as bases de um futuro Estado palestino.
Funcionários da Autoridade Palestina (AP), presidida por Iasser Arafat, afirmam estar conscientes de que Sharon, líder do Likud (direita), nunca irá tão longe quanto Ehud Barak, o premiê demissionário do Partido Trabalhista, nas concessões territoriais oferecidas aos palestinos, assim como na discussão do futuro status de Jerusalém, reivindicada como capital por ambos os lados.
Mas eles também acreditam que a causa palestina se beneficiará de um maior apoio internacional devido à reputação de Ariel Sharon de privilegiar o confronto com os palestinos em detrimento de um acordo de paz.
Esse tipo de raciocínio, entretanto, pouco significa para os palestinos da Cisjordânia e da faixa de Gaza. Com uma rapidez que tem chocado os críticos mais radicais da atuação da AP, a sociedade palestina se fragmentou de forma acelerada nas últimas semanas e encontra-se num estado de quase anarquia.
"A evolução da fragmentação é muito rápida", diz Eyed As Sarraj, diretor do Programa de Saúde Mental da Comunidade de Gaza. "Os níveis de violência política e doméstica aumentaram. É assustador", acrescentou.
"Quando a Intifada começou, em setembro, ela despertou poderosas forças de solidariedade e unidade. Os crimes diminuíram. Havia a sensação real de que poderíamos derrotar os israelenses", disse um membro do Fatah, grupo político de Arafat.
Mas a energia e a motivação logo desmoronaram. "A AP não conseguiu imprimir direção e estratégia ao movimento", diz Sarraj. Além disso, explica Ghassan Khatib, do Centro de Mídia e Comunicação de Jerusalém, as instituições de lei e ordem ruíram, sem que a AP conseguisse protegê-las.
O cerco que Israel impõe às cidades e aos vilarejos palestinos impede que a população tenha acesso às cortes de Justiça, à polícia ou aos ministérios da AP. Em consequência, líderes locais acabam substituindo a autoridade central.
O vácuo deixado pelas instituições frágeis -as quais Arafat raramente permitia agir com independência- foi preenchido pela anarquia.
"Não só a AP está implodindo como também a Palestina está caminhando para a anarquia", diz Khalil Shikaki, diretor do Centro de Estudos Palestinos de Ramallah (Cisjordânia).
A anarquia assumiu a forma de tiroteios, execuções, assassinatos, desaparecimentos e disputas de clãs. No começo da semana passada, forças de segurança da AP e militantes do grupo islâmico Hamas batalharam por várias horas no campo de refugiados de Jabalia, em Gaza, deixando um saldo de vários feridos.
No mês passado, Hisham Makki, diretor da TV palestina, foi abatido a tiros em Gaza por um grupo até então desconhecido que chama a si mesmo de Mártires de Al Aqsa. Eles o acusaram de corrupção.
Ghazi Jabali, chefe da polícia civil de Gaza, que era odiado por muita gente, foi detido, sob a acusação de corrupção. Há informações não-confirmadas de que Arafat o mandou para a Líbia.
Moh'd Abu Sharia, presidente do Conselho Geral de Pessoal, o inchado serviço civil palestino, que oferece milhares de empregos independentemente da qualificação, também desapareceu. De novo, críticos afirmam que ele estava envolvido em corrupção.
"Boa parte da energia e da frustração está sendo direcionada contra pessoas corruptas. São alvos fáceis", diz Sarraj. "Não há Estado de Direito. Não há liderança comunitária ou instituição civil capaz de prevenir a fragmentação", acrescenta.
Ativistas de direitos humanos dizem que os palestinos estão dirigindo sua raiva contra a AP, usando o vácuo político para acertar antigas contas pessoais.
As dificuldades econômicas provocadas pelo fechamento de fronteiras apenas gera mais frustração. Palestinos acusam a AP de não utilizar fundos para ajudar famílias pobres, além de fazer pouco para combater a corrupção e a criminalidade.
Relatório do Banco Mundial publicado na semana passada mostra que as taxas de pobreza aumentaram 50% desde o início da Intifada, quando cerca de um terço da população palestina, algo em torno de 1 milhão de pessoas, vivia abaixo da linha de pobreza, com US$ 2,10 ao dia.
O paradoxo cruel, dizem ativistas, é que, quando Sharon formar o seu gabinete, ficará mais fácil para a AP juntar pessoas para voltar a combater.
"Estamos numa armadilha terrível", diz Sarraj. "É muito fácil direcionar nossa energia contra o inimigo comum. Mas fazer isso nos impede de olhar para nós mesmos, de fazer alguma coisa em vez de apenas reagir", diz.


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