São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

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RELIGIÃO

Medida, criticada por muçulmanos, visa proteger secularidade na rede pública e exclui também solidéus e crucifixos "grandes"

França veta uso de véu islâmico na escola

DA REDAÇÃO

A Assembléia Nacional (a Câmara Baixa do Parlamento francês) aprovou ontem, com 494 votos a favor e 36 contra, uma lei que proíbe estudantes de usarem peças de vestuário, como véus islâmicos ou outros símbolos religiosos, nas escolas públicas do país.
A proibição inclui solidéus judaicos e crucifixos cristãos "grandes", mas tem como principal objetivo impedir que alunas muçulmanas usem véus na rede pública.
Segundo a Lei da Laicidade, "roupas e signos que conspicuamente revelem a afiliação religiosa dos estudantes estão proibidos". A nova regra -que deve ser confirmada pelo Senado- entrará em vigor em setembro (início do ano letivo) e não vale para escolas privadas.
Desde 1989, quando duas jovens muçulmanas foram expulsas da escola em que estudavam porque se negaram a abrir mão do véu, a polêmica dos véus divide a França. Nos últimos anos, outras alunas foram rejeitadas ou expulsas.
O governo argumenta que a lei é necessária para proteger a laicidade do Estado francês e impedir que o fundamentalismo islâmico ganhe força nas escolas.
A lei também proíbe que se questione a ocorrência do Holocausto durante aulas de história e que alunos rejeitem assistir a aulas de reprodução sexual e educação física por motivos religiosos.
A punição poderá variar de um simples aviso à suspensão temporária ou mesmo expulsão.
Nos últimos anos, professores têm relatado problemas crescentes com estudantes muçulmanos que interrompem aulas de história para negar o extermínio dos judeus pelos nazistas ou boicotam aulas sobre reprodução humana e de educação física.
A lei "impedirá que a sala de aula se divida entre comunidades religiosas militantes", disse o ministro da Educação, Luc Ferry. Segundo ele, o sistema público tem mostrado "um espetacular crescimento do racismo e do anti-semitismo nos últimos três anos".
A França tem as maiores comunidades islâmica (ao menos 5 milhões) e judaica (de 600 mil a 700 mil) da Europa.
A nova lei, apoiada pela maioria da população, que tem uma forte tradição secular e considera o véu uma forma de opressão das mulheres, provocou críticas de muçulmanos na França e no mundo.
Também houve críticas por parte de autoridades católicas, inclusive do papa João Paulo 2º.
"Em vez de combater o radicalismo, a lei o encorajará", disse o sociólogo Farhad Khosrokhavar, autor de "O Véu e a República".
Mas também há vozes favoráveis entre os muçulmanos. "Cada um tem o direito de praticar sua religião em casa. Se alguém quiser usar véu fora de casa, tudo bem, mas não em uma escola secular", diz o marroquino Telly Naar, 65, há 40 anos na França.
A votação causou protestos diante de embaixadas da França no Oriente Médio e críticas de líderes religiosos da região.
Segundo o xeque Abdel Aziz al Cheikh, o maior líder religioso da Arábia Saudita, o fato de a lei "se imiscuir no assunto constitui uma violação dos direitos humanos tão defendidos pela França".
Em carta ao presidente Jacques Chirac (favorável ao projeto), o xeque Ahmad Kaftaro, da Síria, disse que "a nação muçulmana considera o véu um dos fundamentos da religião".
Já o xeque Mohammed Sayyed Tantaui, líder da mesquita Al Azhar, que fica no Cairo e é referência no mundo islâmico, disse que a França tem o direito de promulgar suas leis e que os muçulmanos que vivem no país devem aceitar os textos em vigor.
Nos EUA, 47 membros do Congresso enviaram carta ao embaixador francês: "A lei ameaça os direitos religiosos das crianças francesas ao forçá-las a escolher entre a escola e práticas religiosas que são centrais em seus valores".
A nova lei poderá ser contestada sob o argumento de que a Constituição protege a liberdade de expressão das crenças religiosas. Em última instância, poderá parar na Corte Européia de Direitos Humanos, em Estrasburgo.


Com agências internacionais

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