São Paulo, domingo, 11 de abril de 1999

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INFÂNCIA ALVEJADA
Em campo de refugiados na Macedônia, gritos e choros infantis são frequentes, e crianças jogam bola entre tendas
Crise de pânico persegue criança refugiada

Garoto de origem albanesa conversa com seu avô em acampamento para refugiados em Kukes, na Albânia Criança mostra, através de janela de um ônibus, a letra "t" escrita em sua mão, o que lhe dá direito de embarcar num avião para a Turquia, país que recebeu refugiados de Kosovo SYLVIA COLOMBO
enviada especial a Skopje


Crianças que sofrem crises de pânico, assombradas pela memória da fuga recente. Mães que disputam fraldas distribuídas pela ajuda humanitária.
Não há números oficiais que determinem quantas crianças estão vivendo atualmente no campo de refugiados de Brazda, em Skopje (capital da Macedônia), mas as famílias de origem albanesa vindas da Província iugoslava de Kosovo são bastante numerosas. As vozes e os choros das crianças são o ruído mais constante.
Na barraca de mantimentos do campo, há pilhas de pães, frutas e latas de suco e de leite. Mas há uma pilha muito maior do que todas as outras, motivo de disputa acirrada entre as mães de origem albanesa. Trata-se da pilha de fraldas.
"Ficar sem fraldas aqui no campo é quase pior do que ficar sem pão. Passo o dia todo trocando", disse uma mãe de seis filhos, dois deles em idade de usá-las.
"Eu brinco com galão de água, tábuas, os sapatos das pessoas (muçulmanos, os kosovares tiram os calçados antes de entrar nas tendas), jogo bola e pulo no rio", disse Iune, seis anos.
"Eu não brinco muito, tenho de ajudar minha avó com o lixo e a roupa", disse o irmão mais velho.
Na última semana, o campo recebeu um lote de bolas de plásticos. Os lugares vazios entre as barracas são agora disputados pelos grupos de crianças jogando.
Anteontem, uma mulher abordou a reportagem da Folha e pediu um filme para tirar fotografias de seus filhos. "Vou tentar entregar as fotos para meu cunhado que virá me visitar do lado de fora."
Ela quer mandar as fotos para seu marido, que está num outro campo de refugiados na própria Macedônia. Cerca de 140 mil kosovares de origem albanesa buscaram refúgio no país, a maioria após o início dos ataques da Otan, por causa da repressão iugoslava.
A grade na entrada do campo é o único meio de contato entre os habitantes temporários de Brazda e o exterior. Pais levam os filhos para lá e exibem-nos para parentes do lado de fora, alguns portando binóculos. As crianças acenam, sem entender o motivo da separação.
Outra cena comum é ver as crianças seguindo os soldados da Otan, querendo tocar suas armas. "São muito carentes", disse um jovem soldado britânico. "Mas alguns sentem medo da farda. Querem tocar, mas têm receio", diz.
As consequências psicológicas da longa e extenuante viagem a pé realizada pelos refugiados através das montanhas na região de fronteira entre a Província iugoslava de Kosovo e a Macedônia começam a ser percebidas pelos médicos.
Rina, seis meses, está com princípio de bronquite. O pai a leva no colo e está há mais de uma hora na fila do atendimento médico.
Apesar disso, ele acha que o serviço é bom. "Eles fazem uma triagem. Casos graves e crianças são atendidos antes. Acho que ela vai ficar boa, mas, no meio da noite, quando ela não consegue respirar direito, fico desesperado."
O tenente-coronel italiano Giovanni Schiliró, psiquiatra que atende no pronto-socorro, acha que, agora que o problema da hospedagem já está mais ou menos resolvido, surgirão sinais de esgotamento mental e emocional.
"Até aqui, a luta era pela sobrevivência. Só agora eles têm onde dormir. Então podemos perceber como estão se sentindo", disse.
Schiliró afirmou que tem socorrido várias crianças com crises de pânico por dia. "São as que mais sofrem. Algumas mães aparecem com os filhos pequenos banhados de suor, assaltados pelo medo enquanto dormiam."
"Eles estão fisicamente melhor do que há alguns dias, mas, em suas mentes, ainda passam as imagens do êxodo." Segundo os médicos, as doenças mais comuns são problemas respiratórios e gastrointestinais e desidratação.
"O frio e as condições precárias de alimentação podem ter causado danos sérios, principalmente respiratórios, que só serão sentidos a longo prazo", diz um médico israelense do campo de Brazda.



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