São Paulo, domingo, 11 de abril de 1999

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VIDA DE REFUGIADO
Hora de comer marca o dia

da enviada a Skopje

Drita, 8, está no campo de Brazda com sua mãe. O pai ficou em Kosovo, e a mulher não sabe seu paradeiro. "Liguei daqui, do celular de um jornalista, para casa. Ele não estava."
Ela olha para as montanhas geladas ao redor, como se o imaginasse escondido em algum lugar na fronteira entre a Província iugoslava de Kosovo e a Macedônia.
Drita diz que já fez amigos e que um de seus vizinhos em Pristina (capital de Kosovo) vive numa barraca ao lado.
O que faz para passar o tempo? "A gente joga futebol. Você não é da terra do Ronaldo?", pergunta o garoto.
Gilan, 32, é solteiro e veio para a Macedônia com a mãe e duas tias há cerca de uma semana. Veio de trem e andando.
"Nas montanhas faz muito frio, e as mulheres mais idosas sofreram muito". Ele diz que, devido à idade, elas andavam muito devagar. Uma delas protesta. "Não reclama, é isso mesmo", diz Gilan.
²As senhoras dizem gostar dos rapazes "fortes e simpáticos" dos núcleos inglês e italiano do acampamento. "Não entendo o que dizem, mas sei que estão nos ajudando."
A maioria dos kosovares não fala inglês. Todos entendem sérvio, macedônio, alguns se viram em alemão.
Os jornalistas pedem ajuda aos poucos refugiados que falam inglês. A procura é tanta que eles já marcam hora.
Jeton, 22, saiu de Kosovo há mais de cinco meses "porque pressenti que algo muito ruim estava para acontecer".
Veio morar com um primo que trabalha num restaurante em Skopje, capital da Macedônia. Há quatro dias, foi avisado de que sua namorada estaria em Brazda.
Veio visitá-la, mas foi impedido de voltar para a cidade. Agora, é mais um refugiado de Kosovo e não pode deixar o acampamento.
²Em frente a uma cabana -todas trazem a inscrição "Gift from USA" (presente dos EUA)-, Ismet Namani, 58, esquenta, num pequeno fogão a gás, um pedaço de pão. São 9h30 da manhã.
"Vim com os meus três filhos para Brazda. Minha mulher e minha mãe foram levadas para outro campo."
²"Aqui é muito melhor do que o campo de Brace. Lá, não havia onde dormir, chovia e fazia muito mais frio", diz.
Ele se refere a um acampamento bem mais precário situado entre a Macedônia e Kosovo, onde milhares de refugiados se aglomeraram durante os primeiros dias do êxodo. "Mas sinto elas não estarem comigo", afirma.
²Namani diz ter apanhado da polícia macedônia no momento de sua separação da família. Ele puxa uma das mangas do casaco de náilon surrado e mostra um hematoma.
²Um refugiado que não quis se identificar diz que, na madrugada em que os policiais macedônios transferiram os refugiados da fronteira para outros campos, "eles selecionaram quem iria para onde mesmo dentro de cada família".
²Ele deixou um irmão lá, mas conseguiu vir para Brazda com a irmã e o pai. Os três dividem a tenda com outra família.
²"Ele pegou duas laranjas", gritou um kosovar para um soldado inglês, que, impassível, tentava manter a ordem de distribuição de comida.
Em Brazda, o dia tem dois grandes momentos. Às 10h, quando começa a fila para o almoço, e às 17h, início da espera para recolher o jantar.
Os alimentos básicos são pão, fruta, bolachas e água. À noite, também tem sopa. (SC)



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