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IRAQUE SOB TUTELA
E-mails e depoimentos retratam relações pessoais entre três envolvidos no escândalo da prisão perto de Bagdá
Abu Ghraib é trama sombria de traições
KATE ZERNKE
DO "NEW YORK TIMES"
Em um tribunal militar do Texas, na semana passada, a cena
era digna de uma novela. A acusada, soldado de primeira classe
Lynndie R. England, segurando
seu bebê de sete meses nos braços;
o pai da criança, soldado Charles
A. Graner Jr., prestando um depoimento que, segundo os advogados de England, arruinou a melhor oportunidade de um veredicto clemente para ela; enquanto,
do lado de fora, esperava outra
acusada por maus-tratos contra
detentos na prisão de Abu Ghraib,
no Iraque, Megan M. Ambuhl,
que recentemente se casou com o
soldado Graner, núpcias que a
soldado England só descobriu
dias antes de seu julgamento.
O tratamento dispensado pelos
reservistas England e Graner aos
prisioneiros iraquianos e seus envolvimentos pessoais produziram
uma novela sombria, que culminou na cena vista na corte texana.
England e Graner começaram a
namorar enquanto treinavam em
sua unidade de reserva do Exército, a 372ª Companhia de Polícia
do Exército, em Cresaptown,
Maryland. Jovem arruaceira nascida na Virgínia Ocidental, a soldado England, 22, se casou aos 19
por capricho, disse a amigos, e
contrariou os pais ao entrar para a
reserva do Exército para juntar dinheiro para a faculdade.
O soldado Graner, 36, guarda
penitenciário na Pensilvânia e ex-fuzileiro naval, se alistou na reserva do Exército por patriotismo,
depois do 11 de Setembro. Acabara de passar por um desagradável
divórcio, em 2000. A ex-mulher
de Graner, Staci Morris, obteve
três mandados de proteção contra ele e, depois que foi detido por
perturbá-la, em 2001, Graner admitiu que a arrastara pelo cabelo.
Graner apresentou as duas mulheres uma à outra, e Morris disse
ter sentido "alívio egoísta" com a
possibilidade de que, tendo outra
pessoa, o ex-marido abandonasse
sua obsessão por ela.
Pouco depois que a 372ª Companhia recebeu ordens para
transferência ao Iraque, o soldado
Graner, a soldado England e um
colega tiveram um último final de
semana de festa em Virginia
Beach. Beberam muito e, quando
o amigo desmaiou, England e
Graner se revezaram tirando fotos em que se despiam por sobre a
cabeça do terceiro soldado.
No Iraque, England recebeu diversas punições por contrariar as
normas militares e dormir com
Graner. Certa noite, em outubro,
ele a instruiu a posar para fotos
em que segurava uma coleira presa ao pescoço de um prisioneiro
nu, que se movia de quatro. Graner mandou uma das fotos por e-mail, para os EUA: "Vejam o que
forcei Lynndie a fazer". As agora
infames fotos de detentos se masturbando, disse ele, eram presente
de aniversário para ela.
A especialista Ambuhl, que foi
excluída do Exército, trabalhava
em dupla com Graner no turno da
noite. Enquanto Graner e England eram ruidosos e desordeiros -gravaram-se em vídeo enquanto faziam sexo-, Ambuhl
era séria, tinha a fala mansa.
Ambuhl estava envolvida com
outro soldado da unidade. Mas,
pelo final de dezembro, pusera
fim àquele relacionamento e começara a ver o soldado Graner.
Em mensagens de e-mail, os dois
relembravam de maneira onírica
as noites roubadas em meio às celas lotadas de prisioneiros.
"Eu também sinto sua falta", ela
escreveu pouco depois do Natal
de 2003. "Quando ouvi sua voz,
na escada, fiquei feliz e um pouco
nervosa, também (mas nervosa
de um jeito agradável)". Ela assegurou a Graner de que não voltaria para o ex-namorado.
Mas o soldado Graner não pusera fim a seu relacionamento
com a soldado England. Em 2 de
janeiro de 2004, foi apanhado
dormindo no alojamento de England, e terminou demovido.
Ambuhl fantasiava sobre o momento em que os dois poderiam
estar realmente sozinhos. "Será
que vai ser estranho para nós dois,
estarmos em uma sala juntos, sem
a chance de alguém nos surpreender?", ela escreveu, dias depois.
"Brincadeirinha. Mal posso esperar". Eles conversaram sobre tirar
uma licença juntos, em fevereiro.
Mas, em 13 de janeiro, um soldado entregou a investigadores
um CD contendo as fotos reveladoras dos detentos. A investigação começou no dia seguinte.
O soldado Graner, rapidamente
identificado como líder do grupo
responsável pelo abuso, enviou
um e-mail ao seu pai, no começo
de março, contando sobre as acusações que lhe eram movidas e
depois soltou "mais boas notícias": a soldado England estava
grávida de dois meses, e a gestação provavelmente faria com que
ambos fossem enviados do Iraque
de volta para os EUA. Eles descobriram que ela estava grávida dois
dias depois que desmancharam.
"Deixei de me encontrar com ela
em janeiro, mas, quando essa
porcaria toda apareceu, voltei a
vê-la", escreveu. "Há boa chance
de que eu seja o pai. Bom, olha o
que papai trouxe da guerra???"
Ambuhl enviou um e-mail a
Graner na metade de março, depois de encontrar fotos antigas
dos dois, em que dizia que "parece um sonho, que tenhamos estado juntos, se é que podemos dizer
que aconteceu".
England, mas não Graner, foi
enviada de volta aos EUA, em razão da gravidez. O Exército transferiu o soldado Graner e Ambuhl
para uma tenda separada de sua
unidade. Lá, retomaram seu relacionamento. Em abril, Ambuhl
enviou por e-mail ao soldado
Graner um artigo com a manchete "Estudo constata que sexo freqüente eleva risco de câncer". E
acrescentou: "Poderíamos ter
morrido ontem à noite".
Tradução de Paulo Migliacci
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