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Cidade vive clima de espetáculo
CONTARDO CALLIGARIS
EM TERRE HAUTE
A prisão federal de Terre Haute,
Indiana, surge no meio de um
gramado perfeito. A imprensa
pode chegar até 300 m dos muros
externos.
Nessa área limitada, há dezenas
de caminhões com discos para
comunicação via satélite. Cada
equipe trouxe casas pré-fabricadas e montou um palanque
olhando para os muros da prisão.
Sábado, às 20h, em cada palanque
havia uma câmara pronta.
McVeigh só foi transferido para
o edifício onde será administrada
a pena de morte às 4h de ontem, e
seu deslocamento foi invisível daqui. Então, estavam esperando o
quê?
Uma mulher pulou da casa da
CBS gritando: "O sol está saindo
da nuvem...". Todos queriam filmar o pôr-do-sol, metáfora da
morte iminente.
O locutor de um noticiário grava com o pôr-do-sol como pano
de fundo. Vejo-o mais tarde na televisão: fala do último raio que
McVeigh verá, pois não há janelas
no edifício da morte. Quer comover pelo panorama. Mas, durante
a gravação, debaixo do casaco
preto com gravata cinza que aparece na tela, ele estava de bermuda
e tamancos.
No ingresso da área da imprensa, no sábado, havia um grupo
precoce de cinco manifestantes.
Uma equipe de televisão consegue convencê-los a sentar no chão
para filmá-los de cima. O operador comenta comigo: "Assim parecem muito mais numerosos".
Domingo os manifestantes não
faltarão, mas, no sábado, melhor
produzir o evento.
Os manifestantes
Dos cínicos que produzem o
evento, passo aos que acreditam
demais no que fazem: os "loucos"
são sempre os primeiros a chegar.
Eles nunca faltam nos eventos onde se manifesta de maneira solene
o poder da lei. Gostam de grandes
processos, posses de cargos etc.
Alguns trazem seu delírio próprio, outros vêm integrar o acontecimento em seu delírio.
Encontrei Jim Bean 2º (certamente um pseudônimo), 51, sentado no acesso a Terre Haute vindo do leste pela estrada. Veio de
Boston e distribui um poema: "A
História das Bandeiras". Antevê a
volta iminente de Yeshua, o Messias. Não tem data exata, mas o
fim do mundo está perto.
Na rua da prisão, falo com uma
família que veio de Ohio (de carona em caminhões de carga) para
salvar a alma de Timothy
McVeigh.
O cartaz diz: "Tim, reza por nós
como nós rezamos por ti". O chefe de família explica que precisa
lutar para salvar a de Tim. A menina da família (10 anos) levanta
olhos e braços, observando que
há muitas almas voando ao redor
de nós. Todos sorriem felizes com
essa revelação. Vou-me embora
antes que ela enxergue a minha.
Haverá manifestantes menos
inspirados. O grupo local dos
abolicionistas prepara cartazes e
camisetas contra a pena de morte
para a noite de domingo.
A cidade
Os cidadãos de Terre Haute são
simpáticos com os 1.500 jornalistas que invadiram a cidade. Conversam com facilidade. Encontrei
constantemente compaixão pelas
vítimas e vontade de que a justiça
seja feita.
Mas, logo depois disso, vem a
história dos documentos do processo McVeigh que a polícia federal encontrou na última hora. Todos meus interlocutores riram
com prazer da humilhação pela
qual passa o FBI.
Terre Haute é uma cidade patriota, americana até a caricatura.
Uma avenida de lojas e ruas de pequenas casas com flores e bandeiras. Quinta feira haverá o festival
dos morangos. Nessa semana a cidade hospeda o concurso de Miss
Indiana. Aqui -diz uma placa-
foi inventada a garrafa da Coca-Cola.
Ora, o patriotismo americano é
sempre libertário, desconfiado de
qualquer governo. Pois é patriotismo pela nação que exalta a liberdade do indivíduo. Deve ser
por isso que, em todos os EUA e
ainda mais aqui, ouvem-se tantas
palavras de simpatia por Bill
McVeigh, o pai do condenado.
Nunca vi algo parecido no caso
de outros criminosos. O fato é que
o americano, sobretudo rural e
patriota, acha o ato de McVeigh
execrável, mas sabe também que
as idéias libertárias de McVeigh
caberiam facilmente na cabeça de
seus próprios filhos.
No coração da América,
McVeigh é desprezado sem reservas por seu ato, mas a mensagem
que ele queria "mandar para o governo" é assunto banal da mesa
do almoço de domingo.
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