São Paulo, segunda-feira, 11 de junho de 2001

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Cidade vive clima de espetáculo

CONTARDO CALLIGARIS
EM TERRE HAUTE

A prisão federal de Terre Haute, Indiana, surge no meio de um gramado perfeito. A imprensa pode chegar até 300 m dos muros externos.
Nessa área limitada, há dezenas de caminhões com discos para comunicação via satélite. Cada equipe trouxe casas pré-fabricadas e montou um palanque olhando para os muros da prisão. Sábado, às 20h, em cada palanque havia uma câmara pronta.
McVeigh só foi transferido para o edifício onde será administrada a pena de morte às 4h de ontem, e seu deslocamento foi invisível daqui. Então, estavam esperando o quê?
Uma mulher pulou da casa da CBS gritando: "O sol está saindo da nuvem...". Todos queriam filmar o pôr-do-sol, metáfora da morte iminente.
O locutor de um noticiário grava com o pôr-do-sol como pano de fundo. Vejo-o mais tarde na televisão: fala do último raio que McVeigh verá, pois não há janelas no edifício da morte. Quer comover pelo panorama. Mas, durante a gravação, debaixo do casaco preto com gravata cinza que aparece na tela, ele estava de bermuda e tamancos.
No ingresso da área da imprensa, no sábado, havia um grupo precoce de cinco manifestantes. Uma equipe de televisão consegue convencê-los a sentar no chão para filmá-los de cima. O operador comenta comigo: "Assim parecem muito mais numerosos". Domingo os manifestantes não faltarão, mas, no sábado, melhor produzir o evento.

Os manifestantes
Dos cínicos que produzem o evento, passo aos que acreditam demais no que fazem: os "loucos" são sempre os primeiros a chegar. Eles nunca faltam nos eventos onde se manifesta de maneira solene o poder da lei. Gostam de grandes processos, posses de cargos etc. Alguns trazem seu delírio próprio, outros vêm integrar o acontecimento em seu delírio.
Encontrei Jim Bean 2º (certamente um pseudônimo), 51, sentado no acesso a Terre Haute vindo do leste pela estrada. Veio de Boston e distribui um poema: "A História das Bandeiras". Antevê a volta iminente de Yeshua, o Messias. Não tem data exata, mas o fim do mundo está perto.
Na rua da prisão, falo com uma família que veio de Ohio (de carona em caminhões de carga) para salvar a alma de Timothy McVeigh.
O cartaz diz: "Tim, reza por nós como nós rezamos por ti". O chefe de família explica que precisa lutar para salvar a de Tim. A menina da família (10 anos) levanta olhos e braços, observando que há muitas almas voando ao redor de nós. Todos sorriem felizes com essa revelação. Vou-me embora antes que ela enxergue a minha.
Haverá manifestantes menos inspirados. O grupo local dos abolicionistas prepara cartazes e camisetas contra a pena de morte para a noite de domingo.

A cidade
Os cidadãos de Terre Haute são simpáticos com os 1.500 jornalistas que invadiram a cidade. Conversam com facilidade. Encontrei constantemente compaixão pelas vítimas e vontade de que a justiça seja feita.
Mas, logo depois disso, vem a história dos documentos do processo McVeigh que a polícia federal encontrou na última hora. Todos meus interlocutores riram com prazer da humilhação pela qual passa o FBI.
Terre Haute é uma cidade patriota, americana até a caricatura. Uma avenida de lojas e ruas de pequenas casas com flores e bandeiras. Quinta feira haverá o festival dos morangos. Nessa semana a cidade hospeda o concurso de Miss Indiana. Aqui -diz uma placa- foi inventada a garrafa da Coca-Cola.
Ora, o patriotismo americano é sempre libertário, desconfiado de qualquer governo. Pois é patriotismo pela nação que exalta a liberdade do indivíduo. Deve ser por isso que, em todos os EUA e ainda mais aqui, ouvem-se tantas palavras de simpatia por Bill McVeigh, o pai do condenado.
Nunca vi algo parecido no caso de outros criminosos. O fato é que o americano, sobretudo rural e patriota, acha o ato de McVeigh execrável, mas sabe também que as idéias libertárias de McVeigh caberiam facilmente na cabeça de seus próprios filhos.
No coração da América, McVeigh é desprezado sem reservas por seu ato, mas a mensagem que ele queria "mandar para o governo" é assunto banal da mesa do almoço de domingo.



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