São Paulo, terça-feira, 11 de junho de 2002

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COMENTÁRIO

Justiça impedida

DO "THE NEW YORK TIMES"

A agressão às liberdades civis lançada pela administração Bush desde os ataques de 11 de setembro alcançou um novo limite, quando o Departamento da Justiça (DJ) argumentou recentemente ante um tribunal que um detido nascido nos EUA, que pode ser cidadão americano, não deve ser autorizado a conversar com um advogado. É o mesmo DJ que se recusou a divulgar os nomes e os locais onde se encontram estimadas 1.200 pessoas detidas desde 11 de setembro e que insistiu em ouvir os depoimentos delas a portas fechadas. São políticas que ferem frontalmente a Constituição, o que alguns tribunais começaram a dizer em decisões recentes.
O governo quer retratar suas políticas duras em relação aos detidos como sendo aplicadas só a estrangeiros. Mas o caso de Iasser Esam Hamdi mostra que cidadãos americanos podem ser igualmente vulneráveis à perda de seus direitos. Prisioneiro da guerra do Afeganistão, Hamdi nasceu nos EUA, e, embora sua família o tenha levado de volta à Arábia Saudita, é possível que nunca tenha desistido da cidadania com a qual nasceu. Hamdi foi mantido preso em Guantánamo até ser levantada a questão de sua cidadania e ser transferido para prisão nos EUA. Parece que, de acordo com o previsto na Sexta Emenda constitucional, ele tem o direito de ser representado por advogado. Mas o DJ vem bloqueando as tentativas feitas pela defesa pública federal da Virgínia de reunir-se com ele. Isso é indefensável. Uma corte federal em Norfolk decidiu que o defensor público deve ter acesso a Hamdi. O DJ apelou.
O DJ também foi alvo de repreensão judicial devido à sua política de negar-se a divulgar os nomes dos detidos. O encarceramento secreto de pessoas traz à mente os livros de Kafka e histórias reais sobre a vida num Estado policial. O governo alega que as informações podem ajudar a Al Qaeda a saber quais de seus agentes estão presos. Em março, um tribunal de Nova Jersey decidiu que o público deve ter acesso a informações sobre os detidos.
Outro direito que vem sendo desrespeitado pelo DJ é a tradição de manter julgamentos abertos, da qual o país muito se orgulha. O governo proibiu, por motivos de segurança nacional, que a imprensa e o público tenham acesso às audiências dos imigrantes detidos após 11 de setembro. Em casos delicados, o governo pode buscar proteger provas específicas. Mas não existe justificativa para sua abordagem abrangente.
O número de detidos pós-11 de setembro caiu para cerca de cem, com boa parte sendo deportada ou, em alguns casos, libertada. Mas a guerra contra o terrorismo continua, e parece inevitável que as fileiras de detidos voltem a crescer. Divulgar publicamente seus nomes, realizar procedimentos imigratórios abertos e fornecer acesso a advogados não são gestos humanitários, mas parte fundamental de nossa Justiça.



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