São Paulo, domingo, 11 de julho de 2004

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Opressão à mulher é contra islã, diz praticante de SP

DA REDAÇÃO

Quem vê a paulistana de família libanesa Magda Aref, 27, percebe imediatamente que ela é muçulmana -afinal, lá está o indefectível véu. E também logo vê que uma muçulmana que segue à risca seu credo pode, sim, ser uma mulher, como ela diz, "absolutamente normal, que sorri, chora, tem problemas e alegrias, dança, se diverte, sai, estuda, trabalha, tem sua vida social, suas amigas". "A única diferença", diz, "é que cremos em um só Deus que adoramos na nossa vida diária, e uma das maneiras de adorá-lo está em nossa veste".
A veste de Magda, aliás, não têm nada de exótica. Ela recebeu a reportagem da Folha em sua casa trajando calça e camisa jeans com uma camiseta vermelha por baixo. Mangas longas, nada justo. Mas nada que não possa ser vendido em qualquer loja de seu bairro, o movimentado Brás, ou de um shopping center.
Nascida em uma família muçulmana não-praticante e adepta fervorosa da religião desde os 14 anos, Magda é a presidente do departamento feminino da Liga da Juventude Islâmica no Brasil. Formada em Ciências Sociais pela USP, casada, mãe de duas meninas pequenas e professora de islamismo para crianças e mulheres, ela discorre com entusiasmo sobre o papel da mulher no islã.
A opressão às mulheres, afirma, atenta contra os próprios preceitos da religião, embora haja os que busquem no islã maneiras de justificá-la. Leia a seguir outros trechos de sua entrevista. (LC)

 

Folha - O véu é uma imposição?
Magda Aref -
É uma obrigação religiosa, como rezar cinco vezes ao dia, pagar o tributo para ajudar os mais pobres, jejuar no Ramadã. Mas cabe a cada um seguir ou não, pois existem vários mandamentos e nem todos os seguem. O significado do véu é supernobre, é valorizar a mulher, não tem absolutamente nada a ver com repressão. Não é que uma mulher que não esteja vestida assim seja desrespeitada, mas a veste faz com que você coloque um obstáculo em relação ao sexo oposto. Já na frente do seu marido, não tem restrição nenhuma. A mulher muçulmana se arruma da porta de casa para dentro.

Folha - Qual é o papel da mulher no islã?
Aref -
Todo muçulmano, homem ou mulher, é submisso a Deus -eis o princípio do islã. Todas as adorações e obrigações religiosas basicamente são as mesmas para homens e mulheres. A única coisa que é específica para a mulher tem a ver com a sua própria condição fisiológica, que é o fato de ser mãe. O islã sempre insiste nesse ponto: a condição primordial considerada para a mulher é ser uma boa mãe. Mas, além da veste, ele não tem nada de especial em relação à mulher.

Folha - Como a sra. vê o Taleban, que proibiu as mulheres de estudar e trabalhar?
Aref -
Eu nem sei se isso é real.

Folha - Há relatos confiáveis.
Aref -
Se é verdade, você vê que isso é diametralmente oposto a tudo o que o islã prega, pois não há proibição nenhuma em relação a trabalhar, a estudar. Há, sim, determinadas delimitações. Para a mulher, não é qualquer trabalho que é permitido no islã. É proibido trabalhar seminua.

Folha - Maridos muçulmanos que oprimem suas mulheres podem usar a religião como desculpa?
Aref -
Por exemplo?

Folha - Por exemplo, o marido que obriga a mulher a usar o véu se ela não quer ou a ficar em casa.
Aref -
Se ele fizer isso, por exemplo, mantê-la em casa, ele estará desagradando a Deus. Olha como ele mesmo se contradiz. Ninguém pode fazer de ninguém um escravo, ninguém pode manter uma pessoa trancada em casa.

Folha - Recentemente, uma repórter narrou as dificuldades que teve em trabalhar em Najaf (centro xiita no Iraque) porque os homens se recusavam a falar com ela diretamente. O islã recomenda que esse contato seja evitado?
Aref -
Alguns homens religiosos acham desrespeitoso encarar a mulher, como se estivessem cobiçando. Então, por respeito, principalmente se você estiver acompanhada, eles vão cumprimentar, mas vão ficar olhando para baixo. Um homem e uma mulher religiosos não se encaram. Mas isso vai muito da religiosidade e da vergonha da pessoa, pois tem gente que não se importa mesmo.

Folha - No Brasil, é mais difícil seguir o islã à risca?
Aref -
Aqui não é um país muçulmano. É óbvio , então, que algumas adaptações você faz. O véu, por exemplo, você usa, mas muita gente ainda estranha.

Folha - A sra. sofre preconceito?
Aref -
Tem um caso ou outro em que, às vezes, a pessoa faz um comentário sem graça, uma brincadeira. Mas também tem gente que me para na rua para elogiar. Uma vez, um homem me parou para dizer que todas as mulheres do país deveriam se vestir assim.


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