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CHINA
Integrantes do mesmo clã trabalham há cinco gerações na Cidade Proibida, vivenciando as principais mudanças do país
História chinesa passa pela família Liang
CLÁUDIA TREVISAN
DE PEQUIM
A história da China dos últimos
120 anos pode ser contada pelos
olhos da família Liang, que, há
cinco gerações, trabalha na Cidade Proibida, o centro do poder no
país desde o século 15. Os Liang
acompanharam a derrocada do
império, a invasão da China pelos
japoneses, a guerra civil e a vitória
dos comunistas em 1949.
Liang Jingsheng, 56, é o atual representante de uma tradição iniciada por seu tataravô, Liang Derun, no fim do século 19, na dinastia Qing. Derun e seu filho, Liang
Shisi, eram pintores da corte e
presenciaram as últimas décadas
de um regime imperial de 2.200
anos, derrubado pela revolução
republicana de 1911.
Quadros e tecidos pintados por
ambos estão entre os 940 mil objetos espalhados pelas 9.999 salas
da Cidade Proibida. Desde o avô
de Jingsheng, Tingwei, os Liang
deixaram de ser pintores e passaram a integrar o grupo responsável pela preservação desses artigos, chamados de "tesouros".
Nessa condição, vagaram pela
China ao lado dos objetos na primeira metade do século 20, um
dos períodos mais instáveis da
história do país, marcado pela invasão dos japoneses e pela guerra
civil, que só acabou com a Revolução Comunista, em 1949.
Tingwei trabalhou ao lado do
último imperador, Pu Yi, derrubado em 1911 e confinado na parte
residencial da Cidade Proibida
por 13 anos. O governo republicano criou um grupo para cuidar
das antigüidades da corte, do qual
o avô de Jingsheng fazia parte.
Com a ameaça da invasão japonesa cada vez mais presente no
início da década de 30, o Kuomintang (Partido Nacionalista), que
estava no poder, decidiu reunir os
principais tesouros da Cidade
Proibida e transferi-los para o sul.
Tingwei e sua família acompanharam a saga dos objetos pelas
cidades de Xangai e Nanquim, na
costa leste, e Chongqing, no centro da China.
Na noite de 5 de fevereiro de
1933, os artigos saíram da Cidade
Proibida em 2.118 caixas enormes, que ocuparam 18 vagões de
trem. Cem guardas acompanharam a transferência dos tesouros
para Xangai, cidade que fica 1.300
quilômetros ao sul de Pequim.
O avanço dos japoneses forçou
nova mudança, em 1936. Desta
vez, para Nanquim, a 254 km de
Xangai. No ano seguinte, uma semana antes de o Exército japonês
entrar em Nanquim, o Kuomintang decidiu transferir os tesouros
para Chongqing, a 1.205 km de
Xangai. Em 13 de dezembro de
1937, ocorreu o Massacre de Nanquim, quando os japoneses mataram 300 mil habitantes da cidade,
segundo dados chineses.
Em todo esse período, Tingwei,
bisavô de Jingsheng, acompanhou as mudanças com sua família. Quatro anos depois, em 1941,
seu filho Kuangzhong, então com
17 anos, começou a trabalhar como guarda nos depósitos dos tesouros, que estavam em diferentes lugares de Chongqing.
Nos anos seguintes, intensificou-se a guerra civil entre o Kuomintang, de Chiang Kai-shek, e o
Partido Comunista, liderado por
Mao Tse-tung. Pressentindo a
derrota, os nacionalistas decidiram transferir parte dos tesouros
para Taiwan, a ilha capitalista que
é independente da China até hoje.
Em janeiro de 1949, Tingwei
acompanhou a mudança dos objetos, enquanto seu filho Kuangzhong ficou cuidando dos tesouros que permaneceram em
Chongqing. Os dois nunca mais
se viram. Com a Revolução Comunista em outubro do mesmo
ano, Tingwei permaneceu em
Taiwan, junto com seu neto Liang
Esheng, filho mais velho de
Kuangzhong, que só voltaria a encontrar o pai em 1987, depois da
abertura da China.
Kuangzhong trabalhou com os
tesouros da Cidade Proibida por
61 anos, até 2002, e deu a seus cinco filhos nomes relacionados aos
lugares pelos quais os objetos passaram. Jingsheng, por exemplo, é
uma referência à cidade de Nanquim, que também é conhecida
na China como Jin Ling.
Aos 20 anos de idade, Jingsheng
não imaginava que seguiria um
dia a tradição da família e embarcou na aventura da Revolução
Cultural de Mao Tse-tung. A partir de 1966, milhares de jovens das
cidades chinesas se mudaram voluntariamente ou foram enviados
ao campo pelo Partido Comunista para serem "reeducados".
Em 1968, seduzido pela campanha maoísta, Jingsheng se mudou
com um grupo de 11 amigos de
Pequim para uma pequena vila da
Mongólia Interior, no norte da
China. Permaneceu lá por 11 anos,
cultivando a terra e dando aulas
na escola primária.
Só saiu em 1979, três anos depois do fim da Revolução Cultural, para que seu filho, Desheng,
estudasse em Pequim. De volta à
capital, fez concurso para trabalhar na Cidade Proibida e foi admitido, aos 31 anos.
Durante 23 anos, trabalhou próximo de seu pai. Depois de sua
aposentadoria, em 1994, Kuangzhong foi recontratado pela Cidade Proibida e ficou mais oito anos
trabalhando na avaliação do acervo do museu. Aos 80 anos, ele vive
em Pequim.
Após 120 anos, a tradição dos
Liang será interrompida com a
aposentadoria de Jingsheng. Seu
único filho, Desheng, não pode
trabalhar na Cidade Proibida. A
legislação atual proíbe que parentes de funcionários públicos trabalhem nos mesmos organismos.
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