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COMENTÁRIO
Crise demanda um governo de união nacional
THOMAS FRIEDMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"
E mbora ninguém saiba ainda quem vencerá as eleições,
posso dizer como o novo governo
deveria ser.
Se o candidato republicano,
George W. Bush, for o vencedor,
não há dúvida de que Bill Clinton
deveria ser seu secretário de Estado; Joe Lieberman seria seu representante na ONU; Sam Nunn
ocuparia a Defesa; e seu secretário do Interior, inquestionavelmente, deveria ser Al Gore. Os demais teriam de ser republicanos
tradicionais.
Se Al Gore for o vencedor, seu
secretário de Estado deveria ser
Colin Powell e seu secretário de
Defesa teria de ser, certamente,
Dick Cheney. Condoleeza Rice,
assessora para política externa da
campanha de Bush, poderia ser
uma boa representante do governo Gore na ONU, e nem é preciso
perguntar quem deveria ser o secretário de Educação de Gore
-George W. Bush. Os demais deveriam ser democratas tradicionais.
Quando era correspondente em
Jerusalém, nos anos 80, cobri o
primeiro governo de união nacional de Israel fora de tempos de
guerra. Nunca imaginei que veria
isso nos EUA, mas talvez precisemos de alguma versão de governo
de união nacional.
Um governo de união nacional
é mais profundo do que mero bipartidarismo. É um governo que
reflete que o fato de que o eleitorado está tão dividido que nenhum partido tem um mandato
para seu programa e, consequentemente, deve governar do centro,
com um gabinete que se assemelhe ao eleitorado -ou seja, com
representantes de ambos os partidos.
Pecado
Infelizmente, o próximo presidente dos EUA, quem quer que
seja, nasceu em pecado. Não há
mais esperança de um nascimento virgem.
Bush poderia conquistar a Câmara, o Senado e a Casa Branca
sem obter a maioria dos votos e
vencendo no Colégio Eleitoral
apenas porque milhares de eleitores de Gore no condado de Palm
Beach tiveram seus votos anulados ou acidentalmente votaram
em Pat Buchanan.
"A culpa não é minha", pode dizer Bush, com certeza, e as eleições se concluem. Todos vão saber
que ele não obteve a maioria dos
votos nem venceu no Colégio Eleitoral. Sob essas condições, a população iria se revoltar -estou falando de protestos impensáveis
desde a Guerra do Vietnã- se
Bush tentasse se ligar a republicanos conservadores no Congresso
para impor sua agenda.
Ao mesmo tempo, Gore poderia
ir à Justiça, mas, mesmo se ele
vencer, muitos eleitores republicanos se sentiriam enganados por
uma artimanha legal. E muitos
outros se sentiriam desconfortáveis com um juiz decidindo as
eleições.
O Congresso e o Senado se rebelariam e garantiriam que a vida
política de Gore se tornasse miserável.
Estabilidade mundial
Qualquer um dos casos é uma
prescrição para um congestionamento maligno. O analista político Kevin Phillips indica que há
dois tipos de congestionamento
governamental. Há o tipo que os
mercados financeiros apreciam
-o congestionamento benigno- , em que os republicanos ficam impedidos de implementar
os cortes mais extremos de impostos, e os democratas, os gastos
mais excessivos. E há um congestionamento maligno, em que o
governo não consegue produzir
nenhuma iniciativa coerente, interna ou externamente.
Não podemos tolerar congestionamentos malignos durante quatro anos, e o mundo não pode suportar congestionamentos malignos nos EUA durante quatro
anos. Para o bem de todos, a democracia norte-americana deve
ser vista fora do alcance de manipulações. A estabilidade do mundo depende disso.
É por isso que esse final das eleições norte-americanas sem precedentes precisa de uma resposta
sem precedentes -um governo
de união nacional.
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