São Paulo, sábado, 11 de novembro de 2000

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COMENTÁRIO
Crise demanda um governo de união nacional

THOMAS FRIEDMAN
DO "THE NEW YORK TIMES"

E mbora ninguém saiba ainda quem vencerá as eleições, posso dizer como o novo governo deveria ser.
Se o candidato republicano, George W. Bush, for o vencedor, não há dúvida de que Bill Clinton deveria ser seu secretário de Estado; Joe Lieberman seria seu representante na ONU; Sam Nunn ocuparia a Defesa; e seu secretário do Interior, inquestionavelmente, deveria ser Al Gore. Os demais teriam de ser republicanos tradicionais.
Se Al Gore for o vencedor, seu secretário de Estado deveria ser Colin Powell e seu secretário de Defesa teria de ser, certamente, Dick Cheney. Condoleeza Rice, assessora para política externa da campanha de Bush, poderia ser uma boa representante do governo Gore na ONU, e nem é preciso perguntar quem deveria ser o secretário de Educação de Gore -George W. Bush. Os demais deveriam ser democratas tradicionais.
Quando era correspondente em Jerusalém, nos anos 80, cobri o primeiro governo de união nacional de Israel fora de tempos de guerra. Nunca imaginei que veria isso nos EUA, mas talvez precisemos de alguma versão de governo de união nacional.
Um governo de união nacional é mais profundo do que mero bipartidarismo. É um governo que reflete que o fato de que o eleitorado está tão dividido que nenhum partido tem um mandato para seu programa e, consequentemente, deve governar do centro, com um gabinete que se assemelhe ao eleitorado -ou seja, com representantes de ambos os partidos.

Pecado
Infelizmente, o próximo presidente dos EUA, quem quer que seja, nasceu em pecado. Não há mais esperança de um nascimento virgem.
Bush poderia conquistar a Câmara, o Senado e a Casa Branca sem obter a maioria dos votos e vencendo no Colégio Eleitoral apenas porque milhares de eleitores de Gore no condado de Palm Beach tiveram seus votos anulados ou acidentalmente votaram em Pat Buchanan.
"A culpa não é minha", pode dizer Bush, com certeza, e as eleições se concluem. Todos vão saber que ele não obteve a maioria dos votos nem venceu no Colégio Eleitoral. Sob essas condições, a população iria se revoltar -estou falando de protestos impensáveis desde a Guerra do Vietnã- se Bush tentasse se ligar a republicanos conservadores no Congresso para impor sua agenda.
Ao mesmo tempo, Gore poderia ir à Justiça, mas, mesmo se ele vencer, muitos eleitores republicanos se sentiriam enganados por uma artimanha legal. E muitos outros se sentiriam desconfortáveis com um juiz decidindo as eleições.
O Congresso e o Senado se rebelariam e garantiriam que a vida política de Gore se tornasse miserável.

Estabilidade mundial
Qualquer um dos casos é uma prescrição para um congestionamento maligno. O analista político Kevin Phillips indica que há dois tipos de congestionamento governamental. Há o tipo que os mercados financeiros apreciam -o congestionamento benigno- , em que os republicanos ficam impedidos de implementar os cortes mais extremos de impostos, e os democratas, os gastos mais excessivos. E há um congestionamento maligno, em que o governo não consegue produzir nenhuma iniciativa coerente, interna ou externamente.
Não podemos tolerar congestionamentos malignos durante quatro anos, e o mundo não pode suportar congestionamentos malignos nos EUA durante quatro anos. Para o bem de todos, a democracia norte-americana deve ser vista fora do alcance de manipulações. A estabilidade do mundo depende disso.
É por isso que esse final das eleições norte-americanas sem precedentes precisa de uma resposta sem precedentes -um governo de união nacional.


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