UOL


São Paulo, terça-feira, 11 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Novo front antiamericano

ROBERT FISK
DO "INDEPENDENT"

Osama bin Laden tem muitos amigos na Arábia Saudita. Nas mesquitas, entre a juventude desencantada, nas forças de segurança e até mesmo -e é isso que o Ocidente se nega a comentar- no interior da família real. Os embaixadores sauditas têm por hábito desprezar esses fatos, qualificando-os como "infundados", mas o devastador ataque lançado na capital, Riad, no sábado, faz parte de uma crescente insurreição contra os inimigos de Bin Laden na casa de Saud.
Quer os responsáveis pelo ataque do sábado tenham sido ou não integrantes das forças de segurança sauditas -e eles vestiam uniformes militares sauditas-, o fato é que a versão do governo de Riad da "guerra ao terror" vem provocando atentados a bomba, enfrentamentos armados e mortes quase diários no reino saudita. Ao que parece, todos os mortos no sábado eram muçulmanos, em sua maioria funcionários estrangeiros radicados no país.
Os inimigos da casa de Saud querem tornar o reino ingovernável, exatamente como os inimigos dos EUA no Iraque querem inviabilizar a ocupação americana. As principais vítimas dos atentados em Bagdá ainda são iraquianas, e, do mesmo modo, as principais vítimas do sábado eram sauditas.
Está claro que, depois de procrastinar por anos, as autoridades sauditas começaram a repassar aos EUA algumas das informações de seus próprios serviços de inteligência.
Desta vez, o aviso americano mais recente sobre um ataque iminente da Al Qaeda acertou na mosca. Mas a família real saudita -a parte dela que continua desesperada por assistência americana- deu muitas razões, durante a invasão anglo-americana do Iraque, para que seus inimigos árabes a atacassem.
Embora tenha declarado publicamente que os EUA não poderiam usar instalações militares sauditas durante a guerra, na surdina ela permitiu que os EUA lançassem 2.700 saídas aéreas por dia da base Príncipe Sultan.
Os jordanianos desconfiam que o atentado a bomba contra sua embaixada em Bagdá, em agosto, tenha sido uma retaliação contra uma operação militar secreta na qual 26 caças americanos F/A-18 decolaram de uma base aérea jordaniana para bombardear instalações da Força Aérea iraquiana a partir das quais poderia ser lançado um ataque contra Israel.
Assim, o príncipe-herdeiro Abdullah, governante de fato da Arábia Saudita, deve estar sentindo ventos assustadores soprando pelo deserto saudita. Por uma coincidência estranha, o objetivo de Bin Laden de destruir a família real é compartilhado pela direita americana. Quando Laurent Murawiec, amigo de Richard Perle -ex-chefe do Conselho de Políticas de Defesa do Pentágono-, avaliou a Arábia Saudita como inimiga dos EUA e "núcleo do mal", ele poderia estar falando como porta-voz de Bin Laden.
Ainda persiste em Washington a desconfiança de que a família real saudita esteja tentando chegar a um acordo conciliatório com a hierarquia religiosa do país e com seus inimigos da Al Qaeda. O Pentágono e a CIA, por exemplo, ainda estão furiosos pelo fato de clérigos sauditas supostamente citados nominalmente numa das fitas de vídeo de Bin Laden como tendo apoiado os ataques do 11 de Setembro ainda estarem pregando livremente na Arábia Saudita. As mensagens de Bin Laden são repletas de veneno contra a casa de Saud. De fato, sua meta original é fazer o que Murawiec pediu: tirar o "Saudita" da Arábia.
Existem aqueles na casa de Saud que enxergam a política americana com muito medo. No passado, dizem, os americanos podiam ficar sentados na Arábia Saudita e tomar os campos de petróleo iraquianos no momento em que melhor lhes aprouvesse. Agora que estão no Iraque, os americanos poderiam, no caso de uma revolução, simplesmente atravessar a fronteira no sentido inverso e tomar os campos petrolíferos do norte da Arábia Saudita.


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Popularidade de extremistas é "preocupante"
Próximo Texto: Al Qaeda foi dissolvida, diz consultoria de risco
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.