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ESTRANHOS NO PARAÍSO
Maior limite à entrada de mexicanos complica diálogo
Tensão com imigrantes
piora relação EUA-México
ADAM THOMSON
DO "FINANCIAL TIMES", EM TIJUANA
São 10h30 em um posto de imigração na fronteira entre EUA e
México, e Silvia, uma mexicana de
44 anos vinda de Acapulco, está
chegando ao fim de uma viagem
assustadora. Com as mãos sangrando e os pés doloridos depois
de passar dois dias caminhando
pelas traiçoeiras montanhas do
sul da Califórnia, ela vê um portão
preto enferrujado à sua frente e
recebe a ordem de passar por ele.
Desta vez ela foi pega. Mas não
vai demorar para ela empreender
a jornada novamente. Seu marido
e sua filha estão na Califórnia, e
Silvia quer se juntar a eles. Além
disso, ela passou os últimos 15
anos nos EUA. "Preciso voltar",
diz ela. "Minha casa fica lá."
Com o México ainda tentando
fechar com os EUA um acordo
para a imigração, algo que parece
difícil de ser concretizado, e Washington mais preocupada do que
nunca com a segurança de suas
fronteiras, Silvia e os outros 400
mil mexicanos que ingressam nos
EUA de maneira clandestina todos os anos se tornaram o ponto
central das relações um pouco
tensas entre os dois países.
No mês passado, o embaixador
americano no México, Antonio
Garza, declarou que "é surpreendente que dois países com a profundidade de suas relações possam olhar para os mesmos fatos e
tirar deles conclusões tão diferentes; a imigração ilegal talvez seja o
exemplo mais marcante disso".
As coisas podem agravar-se ainda mais nos próximos dias: a previsão é que o Senado vai debater o
chamado projeto de lei Sensenbrenner, que propõe, entre outras
coisas, intensificar a segurança ao
longo da fronteira de 3.200 km de
extensão, colocar os imigrantes
ilegais na prisão e estender em
mais de mil quilômetros os trechos curtos de barreira já construídos ao longo da fronteira.
Quer o Senado aprove ou não a
nova lei, que já ganhou o aval da
Câmara, o projeto já suscitou indignação entre os mexicanos. O
presidente Vicente Fox disse ao
"Financial Times" que "construir
muralhas não condiz com uma
democracia como a americana".
Os EUA já estão intensificando
a proteção de suas fronteiras. Na
praia de Tijuana, em plena vista
de San Diego, funcionários americanos vêm fincando enormes estacas de aço na areia. O capataz,
homem alto que usa capacete e
um bigode loiro duro, não está inteiramente convencido de que a
barreira vá solucionar o problema. Mas, opina, ela vai pelo menos facilitar o trabalho da Patrulha da Fronteira. "É preciso fazer
alguma coisa", diz ele. "Os mexicanos estão tomando nossos empregos, e os salários vêm caindo.
Eu me sinto ameaçado."
O grande número de mexicanos
que hoje vivem ilegalmente nos
EUA -cerca de 5 milhões, segundo a Faculdade da Fronteira Norte, mexicana- leva muitos americanos a se solidarizarem com o
ponto de vista do capataz. Grupos
civis como o Projeto Minuteman
se organizaram em protesto contra a imigração ilegal, e seus integrantes vasculham a fronteira para frear a entrada de mexicanos.
"Nossa fronteira no Arizona o
convoca, Minuteman voluntário,
para vir vigiá-la", diz uma oferta
de emprego no site do grupo.
Com perspectivas de trabalho
limitadas em seu próprio país, e
salários muitas vezes insuficientes, não faltam mexicanos e centro-americanos dispostos a arriscar suas vidas para encontrar trabalho ao norte da fronteira.
O hondurenho Gregório, 39
anos, é um deles. Em novembro
ele deixou mulher e filhos em casa
e partiu para o norte. Gregório caminhou por 25 dias até pegar carona num trem de carga. Mas, no
dia 24 de dezembro, no momento
em que o sol nascia sobre as montanhas áridas do norte do México,
ele escorregou e caiu debaixo do
trem. "Você tenta fazer o melhor,
mas a vida sempre lhe reserva surpresas", diz ele, olhando, espantado, para sua perna esquerda, que
agora termina logo abaixo de seu
joelho, num toco ainda enfaixado.
Gregório pelo menos sobreviveu. No ano passado cerca de 400
pessoas morreram tentando atravessar a fronteira: algumas se afogaram, outras morreram de hipotermia ou desidratação no deserto, e outras morreram pelas mãos
da Patrulha de Fronteira.
Discursando no Arizona recentemente, o presidente George W.
Bush ofereceu algumas esperanças de avanços. Ao mesmo tempo
em que defendeu a importância
de endurecer os controles de fronteira, ele também declarou que os
EUA precisam de "um programa
de trabalhadores temporários,
para desempenhar trabalhos que
os americanos não querem fazer".
Mas o padre brasileiro Luis
Kendziersky, que dirige a Casa do
Migrante, um abrigo temporário
em Tijuana, acha que as propostas de Bush não bastam. "É preciso haver uma anistia para quem já
está vivendo nos EUA", diz ele.
Jorge Santibáñez, que dirige a
Faculdade da Fronteira do Norte,
em Tijuana, concorda. Mas acha
que o governo mexicano também
precisa tentar resolver problemas
que preocupam os EUA, em especial o aumento recente da anarquia e dos crimes relacionados ao
tráfico de drogas nas cidades de
fronteira mexicanas. "Enquanto o
governo mexicano não assumir
mais responsabilidade por tudo
isso, não haverá avanços na questão da imigração", diz ele.
Tradução de Clara Allain
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