São Paulo, domingo, 12 de fevereiro de 2006

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ESTRANHOS NO PARAÍSO

Maior limite à entrada de mexicanos complica diálogo

Tensão com imigrantes piora relação EUA-México

ADAM THOMSON
DO "FINANCIAL TIMES", EM TIJUANA

São 10h30 em um posto de imigração na fronteira entre EUA e México, e Silvia, uma mexicana de 44 anos vinda de Acapulco, está chegando ao fim de uma viagem assustadora. Com as mãos sangrando e os pés doloridos depois de passar dois dias caminhando pelas traiçoeiras montanhas do sul da Califórnia, ela vê um portão preto enferrujado à sua frente e recebe a ordem de passar por ele.
Desta vez ela foi pega. Mas não vai demorar para ela empreender a jornada novamente. Seu marido e sua filha estão na Califórnia, e Silvia quer se juntar a eles. Além disso, ela passou os últimos 15 anos nos EUA. "Preciso voltar", diz ela. "Minha casa fica lá."
Com o México ainda tentando fechar com os EUA um acordo para a imigração, algo que parece difícil de ser concretizado, e Washington mais preocupada do que nunca com a segurança de suas fronteiras, Silvia e os outros 400 mil mexicanos que ingressam nos EUA de maneira clandestina todos os anos se tornaram o ponto central das relações um pouco tensas entre os dois países.
No mês passado, o embaixador americano no México, Antonio Garza, declarou que "é surpreendente que dois países com a profundidade de suas relações possam olhar para os mesmos fatos e tirar deles conclusões tão diferentes; a imigração ilegal talvez seja o exemplo mais marcante disso".
As coisas podem agravar-se ainda mais nos próximos dias: a previsão é que o Senado vai debater o chamado projeto de lei Sensenbrenner, que propõe, entre outras coisas, intensificar a segurança ao longo da fronteira de 3.200 km de extensão, colocar os imigrantes ilegais na prisão e estender em mais de mil quilômetros os trechos curtos de barreira já construídos ao longo da fronteira.
Quer o Senado aprove ou não a nova lei, que já ganhou o aval da Câmara, o projeto já suscitou indignação entre os mexicanos. O presidente Vicente Fox disse ao "Financial Times" que "construir muralhas não condiz com uma democracia como a americana".
Os EUA já estão intensificando a proteção de suas fronteiras. Na praia de Tijuana, em plena vista de San Diego, funcionários americanos vêm fincando enormes estacas de aço na areia. O capataz, homem alto que usa capacete e um bigode loiro duro, não está inteiramente convencido de que a barreira vá solucionar o problema. Mas, opina, ela vai pelo menos facilitar o trabalho da Patrulha da Fronteira. "É preciso fazer alguma coisa", diz ele. "Os mexicanos estão tomando nossos empregos, e os salários vêm caindo. Eu me sinto ameaçado."
O grande número de mexicanos que hoje vivem ilegalmente nos EUA -cerca de 5 milhões, segundo a Faculdade da Fronteira Norte, mexicana- leva muitos americanos a se solidarizarem com o ponto de vista do capataz. Grupos civis como o Projeto Minuteman se organizaram em protesto contra a imigração ilegal, e seus integrantes vasculham a fronteira para frear a entrada de mexicanos. "Nossa fronteira no Arizona o convoca, Minuteman voluntário, para vir vigiá-la", diz uma oferta de emprego no site do grupo.
Com perspectivas de trabalho limitadas em seu próprio país, e salários muitas vezes insuficientes, não faltam mexicanos e centro-americanos dispostos a arriscar suas vidas para encontrar trabalho ao norte da fronteira.
O hondurenho Gregório, 39 anos, é um deles. Em novembro ele deixou mulher e filhos em casa e partiu para o norte. Gregório caminhou por 25 dias até pegar carona num trem de carga. Mas, no dia 24 de dezembro, no momento em que o sol nascia sobre as montanhas áridas do norte do México, ele escorregou e caiu debaixo do trem. "Você tenta fazer o melhor, mas a vida sempre lhe reserva surpresas", diz ele, olhando, espantado, para sua perna esquerda, que agora termina logo abaixo de seu joelho, num toco ainda enfaixado.
Gregório pelo menos sobreviveu. No ano passado cerca de 400 pessoas morreram tentando atravessar a fronteira: algumas se afogaram, outras morreram de hipotermia ou desidratação no deserto, e outras morreram pelas mãos da Patrulha de Fronteira.
Discursando no Arizona recentemente, o presidente George W. Bush ofereceu algumas esperanças de avanços. Ao mesmo tempo em que defendeu a importância de endurecer os controles de fronteira, ele também declarou que os EUA precisam de "um programa de trabalhadores temporários, para desempenhar trabalhos que os americanos não querem fazer".
Mas o padre brasileiro Luis Kendziersky, que dirige a Casa do Migrante, um abrigo temporário em Tijuana, acha que as propostas de Bush não bastam. "É preciso haver uma anistia para quem já está vivendo nos EUA", diz ele.
Jorge Santibáñez, que dirige a Faculdade da Fronteira do Norte, em Tijuana, concorda. Mas acha que o governo mexicano também precisa tentar resolver problemas que preocupam os EUA, em especial o aumento recente da anarquia e dos crimes relacionados ao tráfico de drogas nas cidades de fronteira mexicanas. "Enquanto o governo mexicano não assumir mais responsabilidade por tudo isso, não haverá avanços na questão da imigração", diz ele.


Tradução de Clara Allain


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