São Paulo, quinta-feira, 12 de abril de 2007

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ARTIGO

O nó do nacionalismo japonês

FRANCIS FUKUYAMA

Pouco mais de meio ano após tornar-se premiê, Shinzo Abe já provoca ira em vários países da Ásia e sentimentos confusos no aliado-chave do Japão, os EUA. Mas será que o governo Bush vai usar a influência que tem para afastar Abe de comportamentos inflamatórios? O predecessor de Abe, Junichiro Koizumi, foi um líder que rompeu com os moldes, tendo injetado ânimo na economia, reformado o sistema de poupança dos correios e rompido com o sistema de facções do Partido Liberal Democrata, há anos no governo. Mas Koizumi também legitimou um novo nacionalismo japonês, provocando o antagonismo da China e da Coréia do Sul com suas visitas anuais ao santuário Yasukuni.
Abe se mostra ainda mais comprometido em moldar um Japão assertivo e que não pede desculpas por seu passado. Alguém que acredita que a controvérsia em torno do santuário Yasukuni é uma questão histórica obscura usada por chineses e coreanos para pressionar o Japão e obter vantagens políticas provavelmente nunca passou muito tempo no Japão. O problema não está nos 12 criminosos de guerra enterrados no santuário; o problema real é o museu militar Yushukan, que fica ao lado do templo. No museu encontramos uma história da guerra do Pacífico que restaura "a verdade sobre a história japonesa moderna".
Ela segue a narrativa nacionalista: o Japão, vítima das potências coloniais européias, queria proteger o resto da Ásia dessas potências. A ocupação colonial japonesa da Coréia, por exemplo, é descrita como "parceria", e busca-se em vão relatos sobre as vítimas do militarismo japonês em Nanquim ou Manila. Talvez se possa defender o museu como um ponto de vista entre muitos em uma democracia pluralista. Mas não há no Japão qualquer outro museu que ofereça uma visão alternativa da história do Japão no século 20. Sucessivos governos se esconderam atrás do fato de Yushukan ser operado por uma organização religiosa para negar responsabilidade pelos pontos de vista ali expressos.
Trata-se de uma postura pouco convincente. O fato é que, diferentemente da Alemanha, o Japão nunca admitiu sua responsabilidade pela guerra do Pacífico. Embora o premiê socialista Tomiichi Murayama tenha feito um pedido oficial de desculpas à China pela guerra, em 1995, o Japão nunca teve debate interno genuíno sobre seu grau de responsabilidade nem nunca fez um esforço resoluto para propagar uma narrativa alternativa a Yushukan.
Minha exposição à direita japonesa se deu no início dos anos 90, quando participei no Japão de dois painéis de discussão com Watanabe Soichi, escolhido (sem meu conhecimento) por minha editora japonesa para traduzir meu livro "O Fim da História e o Último Homem". Professor da Universidade Sophia, Watanabe era colaborador de Shintaro Ishihara, o nacionalista autor de "O Japão Que Sabe Dizer Não" e hoje governador de Tóquio.
Ao longo de dois encontros, eu o ouvi explicar diante de grandes platéias como a população da Manchúria tinha lágrimas nos olhos quando o Exército Kwantung, de ocupação, deixou a China, tão grande era a gratidão pelo Japão. Segundo Watanabe, a guerra do Pacífico se resumiu a uma questão de raça, pois os EUA estavam determinados a reprimir os povos não-brancos. Watanabe, portanto, equivale a alguém que nega a existência do Holocausto, mas, diferentemente de seus equivalentes alemães, ele atrai um público grande e solidário.
Recentemente, ocorreram incidentes perturbadores nos quais intimidação física foi usada por nacionalistas contra críticos às visitas feitas por Koizumi a Yasukuni. (Por outro lado, o conservador "Yomiuri Shimbun" criticou as visitas de Koizumi a Yasukuni e publicou uma série de artigos sobre a responsabilidade pela guerra.) Isso deixa os EUA em posição difícil. Vários estrategistas americanos estão ansiosos por cercar a China com uma barreira defensiva semelhante à Otan, construindo para fora a partir do Tratado de Segurança EUA-Japão. Desde os últimos dias da Guerra Fria, os EUA vêm pressionando o Japão a rearmar-se, tendo apoiado uma revisão do Artigo 9 da Constituição, que proíbe o Japão de ter forças armadas.
Mas os EUA deveriam ter cuidado com aquilo que desejam. A legitimidade da posição militar dos EUA no Extremo Oriente é baseada no fato de os EUA exercerem a função soberana de autodefesa do Japão. A revisão unilateral do Artigo 9, sobre o pano de fundo do novo nacionalismo japonês, virtualmente isolaria o Japão da Ásia.
A revisão faz parte da agenda de Abe há tempo, mas a hipótese de ele levá-la adiante dependerá em grande parte do tipo de conselho que receber de aliados nos EUA. Bush não se dispôs a falar sobre o novo nacionalismo japonês a "seu bom amigo Junichiro", por gratidão pelo apoio japonês no Iraque. Agora que o Japão retirou seu pequeno contingente do Iraque, talvez Bush coloque os pingos nos is com Abe.


FRANCIS FUKUYAMA é reitor da Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins

Tradução de CLARA ALLAIN


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