São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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DIPLOMACIA

No mais recente atrito, americano diz que brasileiros devem deixar de ser só "espectadores" da guerra colombiana

Relações entre EUA e Brasil enfrentam crise

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Recentes atritos comerciais e divergências políticas sobre crises na América Latina parecem ter conduzido o diálogo entre os governos do Brasil e dos EUA a seu pior momento desde a posse do presidente George W. Bush, em janeiro de 2001. Nas últimas semanas, críticas mútuas antes feitas discretamente por representantes dos dois governos ganharam a forma pública.
Num depoimento ao Senado norte-americano, o subsecretário para assuntos políticos do Departamento de Estado, Marc Grossman, classificou a postura do Brasil com relação à guerra civil na Colômbia à de um "espectador" que assiste aos acontecimentos sem fazer nada. "Precisamos fazer com que outros países da região não sejam espectadores. Tive a chance de ir ao Brasil algumas semanas atrás. Foi uma das coisas que fizemos, numa longa lista de consultas com os brasileiros. Eu insisti, insisti e insisti novamente na necessidade de eles apoiarem a Colômbia", declarou Grossman, no dia 24 de abril, a integrantes da poderosa comissão de relações exteriores do Senado.
Grossman explicou por que os EUA querem intensificar sua colaboração militar com o governo colombiano e, ao explicitar a crítica ao Brasil, repetiu publicamente uma insatisfação que os EUA só manifestavam de forma reservada. "A Colômbia não é só um problema norte-americano."
Antes mesmo de o presidente Bush assumir o cargo, os EUA já consideravam que o Brasil negligencia sua posição de líder ao rejeitar ajuda militar e estratégica para que o presidente Andrés Pastrana combata a guerrilha no país - guerrilha essa controlada por grupos que o governo brasileiro resiste em classificar publicamente como terroristas.
Outro sinal aberto de deterioração das percepções mútuas veio na semana passada, quando a Folha Online tornou público um artigo apresentado num seminário pelo embaixador brasileiro em Havana, Luciano Martins.
O artigo sustenta que o governo dos EUA atua com "irracionalidade e arrogância" e levanta a possibilidade de a política unilateral e incisiva do presidente Bush transformar-se numa "atitude coletiva, assim como ocorreu na Alemanha nazista e agora parece ocorrer em Israel". O governo brasileiro classificou o artigo como um "texto acadêmico que não reflete a posição brasileira". Martins não é um diplomata de carreira, mas um sociólogo conhecido.
O Departamento de Estado recebeu uma cópia do texto por meio do "Miami Herald", jornal com ampla cobertura sobre assuntos ligados a Cuba. "Esse artigo não foi feito pelo governo brasileiro e não reflete o atual estágio das relações entre os dois países", disse à Folha Charles Barkley, porta-voz do Departamento de Estado. "Existem tensões normais, mas não uma crise", completou, referindo-se também à declaração de Grossman.
Porém diplomatas norte-americanos dizem que, embora o artigo não afete a relação entre os dois países, ele teria espelhado, de forma caricata, a opinião do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. Esses diplomatas lembram semelhanças de orientação entre o artigo de Martins e o discurso de FHC à Assembléia Nacional da França, em outubro.
Naquele discurso, o presidente brasileiro criticou os EUA indiretamente ao dizer que "a barbárie não é somente a covardia do terrorismo, mas também a intolerância ou a imposição de políticas unilaterais em escala planetária". Na ocasião, a Casa Branca aceitou o argumento de que as críticas, embora feitas por um chefe de Estado em viagem oficial, tinham orientação apenas acadêmica.
O embaixador brasileiro nos EUA, Rubens Barbosa, disse que a relação entre os dois governos é "normal e razoável". Segundo ele, é preciso "ver o relacionamento com um todo", e não de forma fragmentada. "Dentro do todo, ele é positivo", afirma.
Barbosa reconhece que houve uma piora na parte comercial da relação, referindo-se às decisões da Casa Branca de restringir as importações de produtos siderúrgicos e de elevar os subsídios aos produtores rurais norte-americanos. No entanto sustenta que a cooperação entre os dois países nas áreas de tecnologia e ambiente nunca esteve tão bem.
Indagado sobre a crítica de que o Brasil estaria agindo como um "espectador" da crise colombiana, Barbosa disse que a percepção do subsecretário Grossman é "equivocada". Segundo ele, o governo FHC já explicou "várias vezes" aos EUA que o Brasil, embora disposto a auxiliar o presidente Pastrana, não recebeu ainda um pedido de ajuda do governo da Colômbia. "A posição brasileira é de muita preocupação, mas não vamos interferir na crise colombiana sem sermos chamados."



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