São Paulo, domingo, 12 de maio de 2002

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No Brasil, elo se dá na cultura

DA REDAÇÃO

O serviço de identificação de ancestrais africanos por análise de DNA ainda não existe no Brasil, mas, mesmo que existisse, provavelmente não seria muito procurado pelos descendentes brasileiros de escravos, disseram especialistas ouvidos pela Folha.
"A identificação biológica aqui não é valorizada", afirma Reginaldo Prandi, 55, professor de sociologia da Universidade de São Paulo. "Ser africano no Brasil é uma identidade cultural e religiosa."
Nos final dos anos 70 e início dos anos 80, afirma Prandi, chegou a haver uma onda, que acabou "não pegando", de interesse de descendentes de africanos em ir à África em busca de suas raízes. "Eles sempre voltavam muito decepcionados. Os religiosos, por exemplo, descobriam que a religião estava muito mais preservada aqui do que lá."
Além disso, há uma "hierarquia de prestígio" no Brasil. "Algumas etnias -mais estudadas por antropólogos ou mais retratadas por artistas- são mais valorizadas. Se você pergunta a um negro brasileiro, geralmente ele diz que sua origem é ioruba, nagô ou gege, raramente angola", diz Prandi. "Há uma identificação idealizada que não passa pela prova científica."
O historiador Ubiratan Castro Araújo, 53, diretor do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia, diz: "Do ponto de vista social, a vontade de restabelecer os vínculos com a África é suprida pelo estudo da história ou da cultura africana, principalmente do candomblé, pelo qual se estabelece uma espécie de volta ritual simbólica".
Essa "volta simbólica" também se dá pelo contato com a comunidade de retornados brasileiros na Nigéria, em Benin e em Gana.
"Eles eram escravos no Brasil que se libertaram ou foram expulsos e voltaram para a África. Não conseguiram se reintegrar como africanos em suas etnias, mas constituíram uma espécie de grande etnia de brasileiros", diz Araújo. "Eles festejam o Bonfim, o Carnaval, falam português."
Para ele, apesar de a iniciativa de americanos de buscar suas origens por DNA ser importante, "o movimento negro aqui ainda não produziu essa necessidade".
Ele afirma que chegou a tentar trabalhar com uma equipe da Fiocruz que usa a genética para estudar doenças incidentes predominantemente em populações negras, como a anemia falciforme.
Mas, para Araújo, as categorias usadas nos estudos médicos são muito imprecisas se comparadas às etnias identificadas em estudos histórico-antropológicos. (MB)



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