São Paulo, terça-feira, 12 de junho de 2001

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Execução gera poucos protestos, a favor e contra, em Terre Haute

CONTARDO CALLIGARIS
ENVIADO ESPECIAL A TERRE HAUTE

A quermesse prevista não aconteceu, por falta de participantes. Os manifestantes contra a pena de morte foram pouco mais de cem, embora de muitos Estados -do Alasca à Flórida. Desfilaram na tarde de anteontem.
Um cartaz dizia: "Jesus Cristo foi uma vítima da pena de morte" -suficiente para os cristãos tomarem partido. À noite, os abolicionistas passaram por detectores de metais e foram para uma área do gramado da prisão.
Quando cheguei, às seis da manhã de ontem (hora local), estavam sentados em círculo, cada um com uma vela, silenciosos. Durante a execução, entoaram, de mãos dadas, o hino dos anos 60, "We Shall Overcome".
Os manifestantes a favor da pena de morte eram um punhado, quase todos locais. Pergunto a Peggy Harris, 26, estudante de enfermagem, de Terre Haute, para o quê ela se manifesta, pois McVeigh será executado. Responde: "A pena de morte deveria ser brutal. Ele nem vai sentir a injeção. Que usem a cadeira elétrica".
Russell Braun, 21, soldado da Guarda Nacional, também local, exibe o cartaz: "Tchau, tchau, assassino de bebês". Pensa como Peggy. Ambos são brancos de classe média baixa e são as pessoas mais próximas de McVeigh por origem e cultura. Nenhuma contradição: McVeigh, se pudesse estar aqui, também faria manifestação a favor da pena de morte.
Duas horas depois da execução, houve a conferência de imprensa de três representantes das vítimas de Oklahoma City que presenciaram diretamente a morte de McVeigh: o pai de uma vítima, uma mulher que escapou ilesa e um militar que perdeu oito companheiros.
Alguém perguntou o que eles sentiram olhando McVeigh morrer. Responderam num crescendo. O pai: "Foi um alívio". O soldado: "Ficamos felizes". A mulher: "Estou em júbilo". Esse encontro com um ódio que resistiu ao espetáculo do suplício foi o momento mais violento da manhã.

O enigma McVeigh
Para o próximo dia 19 de junho está prevista aqui a execução de Juan Garza, traficante e assassino. Não haverá nem um décimo do interesse suscitado por McVeigh.
A diferença não se explica pela magnitude do crime. McVeigh polariza a atenção dos americanos porque matou por idéias. Ele se apresentou como um "político" que defenderia valores americanos essenciais.
Sua morte deixa o enigma intacto: ele morreu sem desespero, convencido de ser um soldado vencedor (sua vida por 168 inimigos) e de ter lutado com táticas tão banais quanto bombardeios de guerra.
Quando foi aberta a cortina, ele olhou nos olhos cada testemunha da imprensa, seus convidados e os representantes do governo. Só não pôde cruzar olhares com os representantes das vítimas por causa do vidro espelhado.
Poucos apareceram para manifestar apóio às idéias libertárias de McVeigh.
Wayne, 43, de Hamilton, Indiana, trazia o cartaz em que se lia "Lembre-se de Waco" (o lugar no Texas onde, em 1993, os agentes federais invadiram um complexo da seita Ramo Davidiano provocando a morte de 82 pessoas). No seu ver, muitos outros queriam vir, mas "estavam com medo dos federais". Ele não pedia que McVeigh vivesse: "McVeigh deve pagar".
A afirmação de Chuck, 56, de Dayton, Ohio, explica melhor: "Concordo com todas as frustrações de McVeigh, mas reprovo a tática. Boas idéias, alvo errado. E não sou contra a pena de morte".
Para Shannon, 35, de Louisville, Kentucky, as idéias de McVeigh não morrerão com ele: "As milícias, por exemplo, não diminuíram desde Oklahoma, só se tornaram clandestinas".
Ele expõe uma das teorias conspirativas sobre o ato de McVeigh: a idéia de que houvesse, atrás dele, um agente provocador infiltrado -a bomba justificaria a repressão das milícias. O fantasma de McVeigh não sairá de cena tão cedo.
Descansando num parque, converso com um veterano em cadeira de rodas. Sabendo de minha formação psi, pergunta: "Tinha algo errado com a cabeça de McVeigh?". Respondo que não precisa: o erro mais grave, sobretudo quando a gente tem idéias, é circular só com pessoas que concordam conosco. Meu interlocutor diz imediatamente que concorda. Concluímos que, então, era melhor a gente se separar logo.



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