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São Paulo, sexta-feira, 12 de setembro de 2003

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ANÁLISE

Afastamento ajuda Arafat e o coloca contra processo de paz

JAMES BENNET
DO "NEW YORK TIMES", EM RAMALLAH

Desde dezembro de 2001, quando descreveu Iasser Arafat como "irrelevante", Israel se recusa a tratar com ele. A administração Bush seguiu seu exemplo em junho do ano passado.
Essa política personalizada levou tanto Israel quanto os EUA a apoiarem outros nomes, mais moderados, para substituir Arafat. Na opinião de muitos políticos e analistas palestinos, o problema disso tudo é que qualquer processo de paz -assim como qualquer premiê, como o demissionário Abu Mazen- que tenha como objetivo declarado relegar Arafat ao segundo plano automaticamente confere a ele um incentivo para fazer oposição.
Uma piada pontual vem sendo contada em Ramallah: Arafat e Mazen estão andando de carro. "Há uma árvore caída no meio da rua!", diz Arafat. Mas o carro segue. Arafat continua a avisar sobre a árvore, cada vez mais aflito. Finalmente, o carro bate na árvore. Quando os dois deixam o carro, feridos e cambaleando, Arafat diz: "Eu lhe disse que havia uma árvore". Mazen responde: "Mas quem estava dirigindo era você".
Nos últimos quatro meses, Israel e a Casa Branca acharam por bem buscar a paz como se quem estivesse dirigindo fosse Mazen.
Infelizmente para a política adotada, ela também atendia aos interesses de Arafat, na visão de muitos políticos e analistas, já que fez com que a culpa pela miséria palestina e falhas do processo de paz fosse desviada dele para o premiê, que se demitiu no sábado.
Ao exercerem tanta pressão sobre Arafat, a administração Bush e Israel parecem ter aliviado um pouco da pressão política doméstica sobre ele. De acordo com o pesquisador de opinião palestino Khalil Shikaki, a popularidade do velho líder, que vinha perdendo força, voltou a crescer.
O que se perdeu em toda a discussão em torno do mandato de Mazen foi o fato de que ele foi levado ao poder não apenas pela pressão internacional mas também pela reivindicação palestina por reformas que pusessem fim à corrupção e ao desgoverno reinantes sob a égide de Arafat.
Agora, disse Shikaki, essas reformas "estão sendo vistas como meio de ajudar o inimigo". Arafat, disse ele, "conseguiu prejudicar enormemente o processo de reforma ao apresentá-lo como exigência dos EUA e de Israel".
Diplomatas em Ramallah dizem esperar que os EUA tratem o novo premiê, Ahmed Korei, de forma mais amena, para evitar vê-lo tachado de "made in America".
Até certo ponto, o foco sobre Arafat vem distraindo a atenção geral das divergências que separaram todos esses líderes palestinos, que são velhos camaradas, de seus colegas israelenses. Arafat, Mazen e Korei têm os mesmos objetivos declarados: a criação de um Estado palestino em toda a Cisjordânia e a faixa de Gaza, tendo Jerusalém como capital. O premiê israelense, Ariel Sharon, vê um Estado palestino muito menor.
Mazen se distanciou de Arafat por questões estratégicas, ao pedir o fim de toda a violência palestina. Korei não indicou se concorda com a abordagem de Mazen.
Mesmo Mazen, porém, hesitou diante da perspectiva de tomar medidas contundentes contra os terroristas, temendo uma guerra civil. Os líderes palestinos têm dito que vêem as concessões oferecidas por Israel como pequenas demais para fazer jus a tal passo.
Como Mazen, Korei tem a fama de ser pragmático e possui vínculos de longa data com altos representantes israelenses. Alguns funcionários do Pentágono dizem que ele tem uma vantagem em relação a Mazen, embora essa vantagem possa não agradar muito a Washington: a destreza política necessária para se manter nas boas graças de Arafat.
Entre os israelenses, o aumento das ameaças de expulsão de Arafat gerou uma piada: para puni-lo após um atentado futuro, Israel será obrigado a trazê-lo de volta.


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