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São Paulo, quarta-feira, 12 de novembro de 2003

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ANÁLISE

Lei dura não contém tablóides

JEAN-PIERRE LANGELLIER
DO "LE MONDE", EM LONDRES

As relações entre vida pública e privada no Reino Unido são regidas por um paradoxo: as leis contra a difamação, apesar de muito rígidas, não impedem a divulgação dos menores gestos de pessoas famosas nem a publicação de fotos não autorizadas de sua intimidade. Por isso, as personalidades que se julgam maltratadas não têm outra opção senão ir buscar reparação nos tribunais.
Essa situação se deve, em grande parte, à existência de uma imprensa popular agressiva e implacável. Após a morte da princesa Diana e a avalancha de críticas contra os "paparazzi", o código de honra da profissão foi endurecido. Mas sua aplicação ainda depende da boa vontade dos editores. A imprensa se auto-regula, sob a égide da Comissão de Queixas da Imprensa, mas continua a usar os piores métodos de trabalho, em especial o chamado "jornalismo de talão de cheques".
Os tablóides gastam grandes quantias de dinheiro com pessoas comuns ou pouco recomendáveis pelo direito de publicação exclusiva de pseudo-revelações com as quais esperam aumentar a circulação. Nessa escalada, a família real é o alvo predileto da imprensa marrom.
O exemplo mais recente dessa tendência, a publicação pelo "Daily Mirror" de trechos do livro de Paul Burrell, antigo mordomo de Diana, teria valido a este vários milhões de libras esterlinas. O jornal também se beneficiou com o aumento sensível de suas vendas durante uma semana.
A ausência de escrúpulos da imprensa popular, entregue a uma concorrência feroz, levou a Comissão de Cultura, Imprensa e Esportes da Câmara dos Comuns a defender a promulgação de uma lei "à francesa", que garantiria uma proteção maior do direito à vida privada. Enquanto isso não acontece, não passa um mês sem que alguma celebridade ganhe um processo por difamação.
Em 1988, o cantor Elton John indicou o caminho ao obrigar o "Sun" a pagar 1 milhão de libras (R$ 4,83 milhões). Seguiram seu exemplo Heather Mills, mulher de Paul McCartney, e a atriz Nicole Kidman.
Será que Charles também tem interesse em registrar queixa por difamação ou calúnia contra seu antigo criado, como seus assessores deixaram entrever? Na opinião de alguns especialistas na família real, como o historiador Andrew Roberts, "diante da determinação de alguns jornais em publicar alegações tão sórdidas quanto improváveis, o príncipe deveria atacá-los na Justiça", disse. "A única maneira de fazer esses editores pensarem duas vezes é atingi-los no bolso."
Não é de hoje que a família real ataca aqueles a quem acusa de traição. Em 1848, a rainha Vitória apreendeu cópias de desenhos seus que haviam sido reproduzidos por um gráfico. Em 1950, a jovem princesa Elizabeth não pôde impedir a publicação das memórias de sua antiga babá, mas fez com que esta fosse alvo de rejeição e isolamento até sua morte.
Esse episódio levou à introdução de uma cláusula de confidencialidade nos contratos de trabalho dos funcionários reais. Mas isso não impediu que antigos funcionários da Casa de Windsor tentassem enriquecer, revelando fatos confidenciais sobre seus ex-patrões. Com a publicação do livro de Burrell, subiu para 250 mil libras (R$ 1,25 milhão) a multa prevista no contrato para antigos funcionários que falarem demais.


Tradução de Clara Allain


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