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PALESTINA ÓRFÃ
CISJORDÂNIA
Apesar da tensão, dia foi tranqüilo na capital da ANP; manifestações públicas foram inferiores às esperadas
Ramallah temia confusão que não veio
DO ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH
O tempo no começo da manhã,
quando Iasser Arafat foi declarado morto pela Autoridade Nacional Palestina, não trazia bom
agouro para quem é supersticioso. Nuvens altas, cirros, anunciavam uma frente fria, talvez uma
tempestade. Que não veio, nem literal nem figurativamente, pelo
menos até o fim da primeira noite
sem Arafat na Cisjordânia.
Tirando alguns incidentes isolados, como o ocorrido na faixa de
Gaza, houve uma calma relativamente tensa nos territórios palestinos -tensa pela expectativa de
que algum tipo de confusão pudesse acontecer. Mas de uma forma geral o dia foi tranqüilo, ordeiro, e as manifestações em homenagem a Iasser Arafat não foram
grandiosas em Ramallah, capital
administrativa da ANP.
Em frente à Muqata, que agora
irá virar o memorial fúnebre de
Arafat, o anúncio feito às 6h locais
(2h em Brasília) foi anticlimático.
Cerca de 15 jornalistas, em sua
maioria nativos a serviço de redes
de TV árabes ou contratados pelas grandes TVs ocidentais, tinham passado toda a noite no local e foram contemplados com a
notícia quase em primeira mão
pelo secretário-geral da Presidência da ANP, Tayeb Abdel Rahim.
Demorou cerca de uma hora
para que a peregrinação da mídia
engrossasse. Repórteres com sono, que haviam passado o dia anterior e parte da noite no lugar, esbarravam-se como zumbis de um
filme de George Romero. Logo o
lugar estava repleto com pelo menos 500 pessoas, mas ainda não
havia sinais da população -o
que é explicável pelo fato de ser o
final do Ramadã, o mês sagrado
no qual os muçulmanos se abstêm de ingerir qualquer coisa, inclusive fumaça de seus adorados
cigarros, e de fazer sexo entre o
nascer e o pôr-do-sol, e portanto
passam bastante tempo em casa.
Em todos os mastros da cidade,
a bandeira da Palestina estava a
meio pau, a começar pelas da Muqata. Em pouco tempo, colunas
de fumaça negra oriundas de fogueiras de pneus subiam aos quatro cantos da cidade. Houve quem
pensasse em algum ataque israelense, mas eram apenas homenagens a Arafat. Algumas fogueiras
estavam acesas à noite.
Na Muqata, apareceram os
oportunistas midiáticos de sempre. Um pai levou o filho de cerca
de 5 anos com um kaffieh (turbante típico palestino), um cartaz
de Arafat e o mandou bater continência. Os fotógrafos e cinegrafistas obviamente adoraram; o menino aparentemente não muito,
pois abraçou o pai chorando.
Com um pouco mais de tempo,
lá pelas 9h, começaram mais manifestações. Ficou difícil separar
as autênticas daquelas de sinceridade duvidosa. Um grupo de mulheres começou a entoar orações
fúnebres, cerca de 50 jovens com
kaffiehs e bandeiras cantavam
gritos de guerra com cartazes de
Arafat. Lá e cá um morador mais
idoso passava chorando, sem
querer falar com jornalistas.
No quesito cartazes, houve um
"milagre da multiplicação" deles
na região da Muqata durante a
noite. Na tarde de ontem, eram
poucos -apenas três deles estavam ao lado do portão principal
do QG, antiga base britânica na cidade. Ontem cedo, já eram mais
de 60, e o número cresceu ainda
mais a partir das 10h, quando os
soldados do complexo começaram a distribuir a todos cartazes
com a foto do líder morto.
Rapidamente, os jovens que estavam lá se dispersaram, levando
cartazes em grandes quantidades.
Houve alguns tiros para o alto,
tradição tribal, mas logo cessaram. Os cartazes, no começo da
noite, já eram vistos por toda a cidade, em especial no centro, conhecido como Munara, onde há
um monumento e o famoso telão
onde os moradores de Ramallah
acompanhavam as notícias sobre
a agonia de Arafat -telão que ontem passou o dia mostrando imagens do presidente morto.
Neste centro, a polícia fechou o
acesso a algumas ruas, talvez prevendo uma grande manifestação,
que acabou não acontecendo.
Muitos carros porém passavam
buzinando levando bandeiras palestinas, fotos de Arafat ou panos
negros nas antenas de rádio.
"Estão pedindo para a gente ficar tranqüilo, em casa, em união",
disse o taxista Mahommed, que
trabalha num ponto junto à Munara. Ele mostrou um cartaz, depois visível na mão de diversos
meninos que faziam distribuição,
com um comunicado da Instituição Palestina para Democracia e
Paz, um órgão da ANP. O texto
pedia "calma" e "união" no "momento crítico para a nação", "independentemente do partido".
Em hotéis, a homenagem foi
mais formal. Os funcionários receberam fitinhas negras para colocar junto a um broche com a
bandeira palestina, mas o adereço
não foi visto nas ruas do centro.
E havia a obra de limpeza da
Muqata, trabalho impressionante
pela eficácia, que adentrou a madrugada. Ironicamente, caminhões de placa e registro de empresas israelenses foram enviados
na manhã de ontem para ajudar a
tirar os escombros do prédio que
o Exército do país destruiu nos últimos três anos.
(IGOR GIELOW)
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