São Paulo, sexta-feira, 12 de novembro de 2004

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PALESTINA ÓRFÃ

CISJORDÂNIA

Apesar da tensão, dia foi tranqüilo na capital da ANP; manifestações públicas foram inferiores às esperadas

Ramallah temia confusão que não veio

DO ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH

O tempo no começo da manhã, quando Iasser Arafat foi declarado morto pela Autoridade Nacional Palestina, não trazia bom agouro para quem é supersticioso. Nuvens altas, cirros, anunciavam uma frente fria, talvez uma tempestade. Que não veio, nem literal nem figurativamente, pelo menos até o fim da primeira noite sem Arafat na Cisjordânia.
Tirando alguns incidentes isolados, como o ocorrido na faixa de Gaza, houve uma calma relativamente tensa nos territórios palestinos -tensa pela expectativa de que algum tipo de confusão pudesse acontecer. Mas de uma forma geral o dia foi tranqüilo, ordeiro, e as manifestações em homenagem a Iasser Arafat não foram grandiosas em Ramallah, capital administrativa da ANP.
Em frente à Muqata, que agora irá virar o memorial fúnebre de Arafat, o anúncio feito às 6h locais (2h em Brasília) foi anticlimático. Cerca de 15 jornalistas, em sua maioria nativos a serviço de redes de TV árabes ou contratados pelas grandes TVs ocidentais, tinham passado toda a noite no local e foram contemplados com a notícia quase em primeira mão pelo secretário-geral da Presidência da ANP, Tayeb Abdel Rahim.
Demorou cerca de uma hora para que a peregrinação da mídia engrossasse. Repórteres com sono, que haviam passado o dia anterior e parte da noite no lugar, esbarravam-se como zumbis de um filme de George Romero. Logo o lugar estava repleto com pelo menos 500 pessoas, mas ainda não havia sinais da população -o que é explicável pelo fato de ser o final do Ramadã, o mês sagrado no qual os muçulmanos se abstêm de ingerir qualquer coisa, inclusive fumaça de seus adorados cigarros, e de fazer sexo entre o nascer e o pôr-do-sol, e portanto passam bastante tempo em casa.
Em todos os mastros da cidade, a bandeira da Palestina estava a meio pau, a começar pelas da Muqata. Em pouco tempo, colunas de fumaça negra oriundas de fogueiras de pneus subiam aos quatro cantos da cidade. Houve quem pensasse em algum ataque israelense, mas eram apenas homenagens a Arafat. Algumas fogueiras estavam acesas à noite.
Na Muqata, apareceram os oportunistas midiáticos de sempre. Um pai levou o filho de cerca de 5 anos com um kaffieh (turbante típico palestino), um cartaz de Arafat e o mandou bater continência. Os fotógrafos e cinegrafistas obviamente adoraram; o menino aparentemente não muito, pois abraçou o pai chorando.
Com um pouco mais de tempo, lá pelas 9h, começaram mais manifestações. Ficou difícil separar as autênticas daquelas de sinceridade duvidosa. Um grupo de mulheres começou a entoar orações fúnebres, cerca de 50 jovens com kaffiehs e bandeiras cantavam gritos de guerra com cartazes de Arafat. Lá e cá um morador mais idoso passava chorando, sem querer falar com jornalistas.
No quesito cartazes, houve um "milagre da multiplicação" deles na região da Muqata durante a noite. Na tarde de ontem, eram poucos -apenas três deles estavam ao lado do portão principal do QG, antiga base britânica na cidade. Ontem cedo, já eram mais de 60, e o número cresceu ainda mais a partir das 10h, quando os soldados do complexo começaram a distribuir a todos cartazes com a foto do líder morto.
Rapidamente, os jovens que estavam lá se dispersaram, levando cartazes em grandes quantidades. Houve alguns tiros para o alto, tradição tribal, mas logo cessaram. Os cartazes, no começo da noite, já eram vistos por toda a cidade, em especial no centro, conhecido como Munara, onde há um monumento e o famoso telão onde os moradores de Ramallah acompanhavam as notícias sobre a agonia de Arafat -telão que ontem passou o dia mostrando imagens do presidente morto.
Neste centro, a polícia fechou o acesso a algumas ruas, talvez prevendo uma grande manifestação, que acabou não acontecendo. Muitos carros porém passavam buzinando levando bandeiras palestinas, fotos de Arafat ou panos negros nas antenas de rádio.
"Estão pedindo para a gente ficar tranqüilo, em casa, em união", disse o taxista Mahommed, que trabalha num ponto junto à Munara. Ele mostrou um cartaz, depois visível na mão de diversos meninos que faziam distribuição, com um comunicado da Instituição Palestina para Democracia e Paz, um órgão da ANP. O texto pedia "calma" e "união" no "momento crítico para a nação", "independentemente do partido".
Em hotéis, a homenagem foi mais formal. Os funcionários receberam fitinhas negras para colocar junto a um broche com a bandeira palestina, mas o adereço não foi visto nas ruas do centro.
E havia a obra de limpeza da Muqata, trabalho impressionante pela eficácia, que adentrou a madrugada. Ironicamente, caminhões de placa e registro de empresas israelenses foram enviados na manhã de ontem para ajudar a tirar os escombros do prédio que o Exército do país destruiu nos últimos três anos. (IGOR GIELOW)


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