São Paulo, sexta-feira, 12 de novembro de 2004

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PALESTINA ÓRFÃ

OS PALESTINOS

Legalmente, eleição presidencial deve ocorrer dentro de 60 dias, mas analistas não crêem que isso seja factível

Disputa pela liderança já começou

DO ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH

A sucessão de Iasser Arafat começou ontem mesmo, depois que o secretário-geral da Presidência, Tayeb Abdel Rahim disse em lágrimas: "Glória a você, nosso líder", a um punhado de jornalista às 6h no portão da Muqata.
E conta pouco o fato de haver um novo presidente constitucional palestino, Rawhi Fattouh. Sua missão é dar um verniz institucional à sucessão, essencial para ganhar apoio internacional à ANP (Autoridade Nacional Palestina).
A principal disputa começou a se delinear na nomeação dos outros dois cargos da estrutura de poder palestina -que Arafat acumulava com o de presidente da ANP. O mais importante deles, o de presidente da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), ficou como previsto com Mahmoud Abbas, o Abu Mazen.
Mas o jogo começou na escolha para a chefia da Fatah, o movimento político-militar fundado por Arafat em 1958 que tornou-se a principal facção da OLP. O novo líder será Farouk Kaddumi, um antigo aliado de Arafat que ficou exilado em Túnis quando o presidente morto ontem voltou para a faixa de Gaza em 1994.
Kaddumi, ainda que aberto a negociar com Israel, não aceitou os termos dos acordos de Oslo. E ontem declarou: "Resistência é o caminho para chegar a um acordo político", disse do Cairo à TV Al Manar, do grupo extremista libanês Hizbollah.
Formalmente, Fattouh deverá esquentar a cadeira para o próximo presidente. Pela lei, deverá ser realizada em 60 dias a eleição presidencial. A seu favor, há o fato de ter havido em outubro um alistamento eleitoral nos territórios palestinos, visando um pleito municipal ainda não marcado.
E as facilidades acabam aí. Ninguém crê seriamente que o prazo seja exeqüível. Um motivo central é o fato de Israel manter 600 bloqueios militares só na Cisjordânia, o que inviabilizaria qualquer campanha eleitoral.
Saeb Erekat, negociador palestino, disse que a chave para o sucesso da transição são "eleições". Suas palavras podem ser lidas como sinal de desespero de uma ala que acabou de perder o poder. Mas não deixam de fazer sentido do ponto de vista institucional.
O mais importante para a ANP, segundo políticos ouvidos em Ramallah, já teria sido atingido. Uma imagem definida pelo poderoso ministro Mohammed Dahlam como "transição, a mais suave possível". Como poucos incidentes foram registrados até a noite de ontem, parece que o plano sobreviveu seu primeiro dia.
O conselheiro de segurança nacional palestino, Jibril Rajoub, disse à Al Jazira que "a era Arafat acabou" e que "a próxima fase deve ser uma de instituições e leis".
Com isso, ele resume algo que já é perceptível: sem líder forte, a ANP terá de se estabelecer como instituição. Muitos duvidam que isso seja possível, em especial do lado israelense, que, além disso, precisa de um nome para apontar o dedo acusador em caso de fracasso em negociações. "O momento é de dividir poderes, separar o Estado palestino das instituições políticas", disse à Folha Ahmad Anan, membro da Fatah.
No xadrez, parece ter ficado no meio do caminho Ahmed Korei, o Abu Ala. Ele segue como premiê palestino, mas há dúvidas sobre sua sobrevivência política quando houver um novo presidente.
Às 10h, um panfleto revelador foi colado no muro da Muqata. Mostrava Arafat, mas com uma diferença: o líder morto segurava uma foto de Marwan Barghouti.
Trata-se de um dos mais populares líderes do Fatah, tendo coordenado a primeira Intifada (1987-1993). Ele cumpre diversas penas de prisão perpétua em Jericó, sob custódia israelense. O que não significa muito: libertações acertadas em trocas de presos são comuns, e muitos apostam que Israel pode colocar suas fichas em um Barghouti amaciado como candidato a presidente.
Por fim, há os grupos que praticam terror contra civis, principalmente Hamas e Jihad Islâmico. Ontem, seus líderes deram apoio à "transição suave", e sabe-se que o Hamas já foi contatado para tomar parte do eventual processo eleitoral. Vindos de áreas pobres de Gaza, porém, esses grupos são voláteis. Um atentado tornaria as perspectivas mais indefinidas do que já são. (IGOR GIELOW)


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