São Paulo, sábado, 13 de abril de 2002

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Apoio militar evaporou com apoio popular

DA REDAÇÃO

Os militares, com os quais o coronel da reserva Hugo Chávez contava para tentar se sustentar no poder, mesmo com a brutal perda de apoio popular verificada ao longo dos últimos meses, acabaram se tornando o principal fator que possibilitou sua queda, na madrugada de ontem.
A insatisfação nos quartéis já era pública desde o início do ano, quando começaram a aparecer os primeiros casos de oficiais que se rebelaram publicamente contra o presidente, e ficou patente a partir da tarde de ontem, quando oficiais das mais altas patentes passaram a apoiar a rebelião.
"Os militares venezuelanos sempre foram favoráveis à institucionalidade e não dariam um golpe para derrubar o presidente, ainda que o mal-estar fosse evidente. Mas a partir do momento em que a base de sustentação popular se esfarelou e houve a impopular repressão contra a manifestação em frente ao palácio presidencial, eles se sentiram livres para abandoná-lo de vez", disse à Folha um general da reserva, que pediu para não ser identificado.
O relativo apoio que Chávez tinha entre os militares após ser eleito, em 1998, evaporou com sua aproximação cada vez maior com o ditador cubano, Fidel Castro, e com suas supostas relações, nunca confirmadas, com os guerrilheiros colombianos das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O tradicional antiesquerdismo das Forças Armadas teve peso nessa reação.
Também não era visto com bons olhos nos ambientes militares o enfrentamento de Chávez com instituições como os meios de comunicação, a Igreja Católica e os sindicatos patronais e de trabalhadores.
Além disso, muitos oficiais adversários de Chávez foram preteridos em promoções ou levados compulsoriamente à reserva.
Para a analista política Isabel Bacalao Romer, professora da Escola Superior de Guerra Naval, Chávez foi derrotado pelos mesmos militares que o derrotaram em 1992, quando tentou dar um golpe contra o presidente Carlos Andrés Pérez. "Chávez mantinha seus aliados, muitos deles companheiros de golpe, em postos-chave de comando, mas sua influência sobre as tropas era bastante minoritária", disse.
É praticamente consenso que a queda de Chávez foi possibilitada pela ação dos militares, mas que ela não foi o seu estopim. "Não foi um golpe das Forças Armadas imposto ao povo, mas uma manifestação popular contra o governo que teve o apoio das Forças Armadas", afirma o analista político Alfredo Keller.
O apoio popular a Chávez, que chegou a cerca de 90% na época de sua posse para o primeiro mandato, no início de 1999, caiu para menos de 30%, segundo as últimas pesquisas, em razão principalmente da sua incapacidade em cumprir com suas principais promessas eleitorais -o combate à corrupção e à pobreza.
Sem essa base, Chávez perdeu o que restava de apoio entre seus pares militares. "É natural que, assim como evapora o apoio popular, também evapora o apoio militar", afirma Isabel Bacalao.
Para o analista Teodoro Petkoff, diretor do jornal "Tal Cual", a queda de Chávez pode ser considerada um contragolpe dos militares em reação a um possível autogolpe, a partir do fechamento das TVs privadas e da ordem para reprimir a multidão que protestava contra ele em frente ao palácio presidencial.

Conflitos políticos
Ao mesmo tempo que via seu apoio popular e entre os militares escassear, Chávez comprou brigas que acabaram lhe custando também a perda de parte do poder político.
Com o enfrentamento a antigos aliados, ele perdeu o apoio de aliados importantes, como o do prefeito de Caracas, Alfredo Peña, transformado em um de seus principais e mais populares críticos, e de Luiz Miquilena, considerado seu mentor intelectual.
A saída de Miquilena, então ministro do Interior e Justiça, do governo em janeiro deste ano derrubou a maioria de Chávez na Assembléia Nacional para pouco mais de 50%. Após as eleições legislativas de julho de 2000, o apoio a Chávez na Assembléia chegava a 75%.
Em maio de 2001, o abandono da coalizão governista pelo MAS (Movimento ao Socialismo) já havia quitado de Chávez o apoio de 15% do Legislativo. Com uma maioria cada vez mais precária, o governo perdeu pela primeira vez uma votação no Legislativo há duas semanas. (RW)


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