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ITÁLIA
Em entrevista à Folha, autor de investigação sobre o megaempresário diz que ele lavou dinheiro para o crime organizado
Livro acusa Berlusconi de elo com a máfia
Associated Press - 7.jun.1999
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Silvio Berlusconi durante encontro com empresários em Milão |
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
MASSIMO GENTILE
EDITOR DE ARTE
Entre 1973 e 1975, Vittorio Mangano, que, à época, já era ligado à
máfia e, mais tarde, foi condenado à prisão perpétua por homicídios a mando de mafiosos e narcotráfico, foi caseiro de uma vila
de Silvio Berlusconi localizada
perto de Milão. Porém os contatos entre eles não foram interrompidos quando o elo de Mangano com a Cosa Nostra se tornou
público, pois o empresário milanês lavava dinheiro sujo da máfia.
A afirmação é de Marco Travaglio, repórter do diário italiano
"La Repubblica" e co-autor do livro "L'Odore dei Soldi" (o cheiro
do dinheiro), sobre Berlusconi.
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
Folha - Quem é Ennio Veltri, o co-autor do livro?
Marco Travaglio - Ele é um parlamentar do partido Itália dos Valores, que foi fundado pelo juiz Antonio di Pietro (figura de ponta da
Operação Mãos Limpas, que deu
origem a processos contra vários
políticos, empresários e funcionários públicos acusados de corrupção, entre outras coisas).
Quando ele fazia parte da Comissão de Vigilância Antimáfia
do Parlamento, vários documentos chegaram às mãos de funcionários do Ministério Público de
Palermo, que os entregaram à comissão parlamentar.
Os documentos envolviam seriamente Berlusconi e Marcello
Dell'Utri, seu braço direito, com a
máfia. Veltri percebeu que o Parlamento não tinha uma séria intenção de investigar um assunto
tão controverso e chamou-me para escrevermos o livro.
Folha - Qual é o mistério em torno
da fortuna de Berlusconi?
Travaglio - Ainda hoje não são
claros o número de holdings que
compõem a Fininvest (sociedade
que pertence a Berlusconi) e a
composição de seu capital. Duas
perícias ordenadas pelo Ministério Público de Palermo tentaram
explicar esse mistério.
De 1978 a 1985, entrou nessas
holdings uma enorme quantidade de dinheiro. Uma parte dele
veio de capitais pessoais de Berlusconi. Outra parte importante
veio de empréstimos bancários.
Uma terceira parte (o equivalente
a mais de US$ 220 milhões hoje)
não tem origem clara.
Até agora, Berlusconi recusa-se
a dizer de onde vem essa soma.
Faz 20 anos que essa dúvida existe, e, segundo o Ministério Público de Palermo, esse dinheiro veio
da lavagem de dinheiro da máfia.
Alguns mafiosos arrependidos
já disseram em juízo que Stefano
Bontade (ex-chefe da máfia, antecessor de Toto Riina e morto por
ordem dele) depositou nas mãos
de Dell'Utri boa parte dos lucros
ilícitos da máfia, para que Berlusconi reciclasse o dinheiro.
Essa é uma das acusações que
pesam sobre Dell'Utri. Uma das
provas mais fortes da existência
de pelo menos um contato entre
Berlusconi e a máfia diz respeito a
um caseiro da vila de Arcore (perto de Milão), que pertence a Berlusconi. Oficialmente, entre 1973 e
1975, o caseiro foi Vittorio Mangano, que, à época, já era ligado à
máfia e, mais tarde, foi condenado à perpétua por homicídios a
mando da máfia e narcotráfico.
Mangano foi contratado por
Dell'Utri, e os contatos entre os
dois continuaram até 1994, quando Mangano foi condenado.
Deputados da Força Itália visitaram Mangano na prisão diversas vezes. Além disso, Dell'Utri,
no processo movido contra ele,
confessou ter tido amizade com
alguns mafiosos. Ele sempre se
defendeu dizendo que não sabia
que seus amigos eram mafiosos,
coisa que, para um siciliano, é no
mínimo muito estranha.
Folha - Qual foi verdadeiro papel
de Dell'Utri na Fininvest?
Travaglio - Ele foi colega de faculdade de Berlusconi e, nos anos
70, tornou-se seu secretário particular. Em 1978, Dell'Utri deixou
Milão e foi trabalhar com um certo Rapisarda, que lavava dinheiro
para Vito Ciancimino, o prefeito
de Palermo que foi condenado
por fazer parte da Cosa Nostra.
Em 1980, Dell'Utri voltou a trabalhar com Berlusconi para criar
a Publitalia, que é a agência que
coleta publicidade para empresas
de mídia do empresário milanês.
Em seguida, tornou-se o homem
mais poderoso da Fininvest.
Segundo depoimentos dos arrependidos, o poder de Dell'Utri
vem do papel que desempenhava
ao pegar o dinheiro de um grupo
mafioso e ao levá-lo para Milão.
Folha - E quanto à ligação de Berlusconi com Riina?
Travaglio - Na metade dos anos
80, houve uma guerra pelo poder
dentro da máfia. O grupo da cidade de Corleone assumiu o controle, matando ex-chefes mafiosos.
Riina assumiu não apenas o poder, mas também o relacionamento da máfia com Dell'Utri e
Berlusconi. Um juiz da cidade de
Caltanisetta (Sicília), chamado
Luca Testaroli, está investigando
esse caso. Já o Ministério Público
de Florença está investigando a
morte dos juízes antimáfia Paolo
Borsellino e Giovanni Falcone,
ocorrida em 1992, e os atentados a
bomba de 1993 em Roma, Florença e Milão, para saber se Berlusconi teve ligação com esses casos.
As bases do inquérito são os
contatos de Berlusconi e Dell'Utri
com o chefe mafioso Mangano e
testemunhos de outros mafiosos
arrependidos, que falam de um
encontro entre Riina, Dell'Utri e
Berlusconi exatamente na época
em que Riina herdou à força a
chefia da máfia. O sentido desse
encontro teria sido renovar o elo
financeiro que existia entre Berlusconi e o grupo que perdeu a
guerra pelo poder na máfia.
Os atentados em Roma, Florença e Milão foram significativos
porque representaram as primeiras ações claras da máfia fora da
Sicília. São atentados políticos
nesse sentido, pois serviram para
preparar o terreno para lançar
uma nova formação política.
À época, com o começo da Operação Mãos Limpas e por razões
diferentes, tanto a máfia, na Sicília, quanto Berlusconi, em Milão,
acreditavam que suas antigas garantias políticas, como os ex-premiês Bettino Craxi e Giulio Andreotti, estivessem se enfraquecendo. Ora, foi quando surgiu a
idéia de fundar a Força Itália (partido político de Berlusconi).
Folha - Em seu livro, o sr. fala da
última entrevista de Borsellino.
Qual é o seu conteúdo e por que ela
ficou escondida por tanto tempo?
Travaglio - Mais que uma entrevista, é um testamento: ela foi gravada por dois jornalistas franceses em 21 de maio de 1992. Ou seja, dois dias antes da morte de Falcone e 50 dias antes da morte do
próprio Borsellino.
Borsellino afirmou que o Ministério Público de Palermo, no qual
trabalhava como chefe-adjunto,
investigava o relacionamento entre Mangano, Berlusconi e Dell'Utri. Também disse que, em 1980,
foi interceptada uma conversa telefônica entre Dell'Utri e Mangano. Nela, eles falavam sobre uma
entrega de cavalos num hotel.
Ora, cavalos não são entregues
normalmente em hotéis.
Borsellino lembrou que, no
"maxiprocesso" contra a máfia,
na segunda metade dos anos 80,
Mangano admitiu que o termo
"cavalo" era usado como código
para a palavra droga.
Descobrimos que a RAI (TV estatal) estava escondendo a fita,
que havia sido descoberta pela filha de Borsellino, e a adicionamos
ao material que já tínhamos.
Folha - Como o sr. vê o futuro da
Itália com Berlusconi no poder?
Travaglio - A informação passará a ser controlada. Além disso,
Berlusconi anunciou que pretende pôr a Justiça sob o controle do
Executivo: ou seja, ele terá domínio sobre o Parlamento, a Justiça e
a informação. E tudo isso sem
precisar acionar o Exército.
Além disso, há uma certa predisposição natural ao autoritarismo em Berlusconi. Ele personifica
o ideal do pequeno empresário do
norte, que resolve tudo sozinho.
Como disse Enzo Biagi (comentarista político italiano), se Berlusconi tivesse seios, faria até o papel
de apresentadora de TV.
Um dia, no estádio do Milan
(clube de futebol que preside), ele
disse que não entendia por que tinha de dar espaço à torcida adversária. Essa afirmação é absolutamente natural para ele.
No poder, ele será perigoso, pois
é o homem mais rico da Itália e o
14º mais rico do mundo. Recentemente, estimou-se que ele tenha
mais de US$ 900 milhões em fundos escondidos no exterior. Isso
graças a 64 empresas que tem no
exterior para esconder suas movimentações financeiras.
Folha - O sr. crê, portanto, que as
perspectivas não sejam muito boas
para o futuro do país?
Travaglio - Se não fossem trágicas, as perspectivas seriam boas.
O eleitorado italiano ainda não
entendeu o perigo que Berlusconi
representa e, só com sua eleição,
poderá conscientizar-se.
Além disso, a centro-esquerda
perceberá que a verdadeira ameaça pública não está nem em Gianfranco Fini (líder da Aliança Nacional) nem em Umberto Bossi
(dirigente da Liga Norte), mas em
Berlusconi. Assim, o país poderá
enfrentar o problema da concentração da propriedade de meios
de comunicação nas mãos do empresário milanês. Com isso, a Justiça poderá ser reformada para
poder funcionar corretamente.
A centro-esquerda nunca teve
coragem para enfrentar Berlusconi, pois parte dela não tem a ficha
limpa. Junta-se a isso o fato de que
a corrente do ex-premiê (Massimo) D'Alema preferiu legitimar
Berlusconi como líder da direita
para ter um adversário aparentemente mais fácil de ser batido.
É por isso que não fizeram a lei
que protege a concorrência nos
negócios, e, quando a magistratura quis impor um pedido de prisão contra parlamentares da Forca Itália, a centro-esquerda nunca
permitiu que isso ocorresse.
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