São Paulo, domingo, 13 de maio de 2001

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Brasil defende compensação não-financeira

DA REDAÇÃO

O Brasil crê que os descendentes de escravos que aqui vivem tenham direito à reparação, porém, de acordo com o diplomata Frederico Meyer -que se ocupa do tema na missão brasileira em Genebra-, trata-se de uma "indenização diferente", não-financeira e endógena.
Ou seja, Brasília defende a implementação de políticas nacionais que favoreçam as comunidades em que vivem descendentes de escravos.
"O Brasil defende uma postura positiva na qual políticas nacionais visem a compensar o erro histórico que constituiu a escravidão. Em princípio, no entanto, o país não quer criar um sistema de cotas, pois ele gera uma forma de racismo inverso", explicou Meyer à Folha, de Genebra.
Assim, diferentemente da ação afirmativa norte-americana, que prevê o estabelecimento de cotas e metas concretas que favoreçam minorias raciais, Brasília pretende privilegiar políticas públicas específicas, que ataquem problemas que atingem os negros.
"Um exemplo desse tipo de política seria, na área da saúde, o estabelecimento de um programa de combate à anemia falciforme, que é um problema específico da comunidade negra (doença hereditária de incidência quase exclusiva em negros e seus descendentes)", afirmou Alexandre Porto, funcionário da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça.
Brasília já reconhece que a "democracia racial brasileira" não passa de um mito. "Em 1996, num relatório enviado à Comissão para Eliminação da Discriminação Racial da ONU, o presidente Fernando Henrique Cardoso admitiu oficialmente a existência de racismo no país", esclareceu Porto.

Sociedade civil
A política brasileira pretende envolver a sociedade civil no debate e, mais do que isso, dar a ela a possibilidade de participar ativamente do esforço de reparação aos afrodescendentes.
"Por exemplo, uma organização não-governamental, como a Fundação Palmares, que é reconhecidamente séria, poderia receber uma verba do Itamaraty para ajudar a preparar candidatos negros para o concurso do Instituto Rio Branco (que forma os diplomatas brasileiros)", sugeriu Meyer.
O governo brasileiro também é favorável à reparação histórico-científica no que concerne à escravidão e ao tráfico negreiro.
Na reunião preparatória de Santiago para a cúpula de Durban (África do Sul), que reuniu países do continente americano e ocorreu em dezembro passado, o Brasil propôs a realização de uma revisão de textos didáticos e currículos universitários para evitar referências que possam ser consideradas de cunho racista ou que não reflitam a realidade do que foi o período escravagista de nossa história.
Resta, portanto, torcer para que a retórica oficial se aproxime da realidade. O geógrafo Milton Santos, professor emérito da Universidade de São Paulo e figura de ponta da comunidade negra brasileira, mostrou-se cético. "A política oficial do Brasil no que diz respeito aos negros é de uma grande hipocrisia, pois não vejo nada acontecer na prática", declarou Santos. (MSM)



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