São Paulo, sábado, 13 de outubro de 2001

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Xeques em SP exortam levante contra Israel

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

"A batalha que hoje travamos é a batalha entre duas culturas. De um lado, a nossa crença, que adora o Deus único, prega a verdade e incentiva os valores humanos. Do outro, a crença deles, que adora o ouro e incentiva a imoralidade. Não há libertinagem que não esteja do lado de lá. Se Deus quiser, nossa crença vencerá."
Empolgado, o xeque Salah Sleiman, 35, um paulistano de ascendência libanesa, traduziu assim o discurso em árabe do parceiro egípcio Mustafa Chukri Ismail. Os dois líderes religiosos conduziram ontem o tradicional culto das sextas-feiras na Mesquita Brasil (região central de SP).
Cerca de 1.300 muçulmanos participaram da cerimônia, que começou às 12h15 e durou uma hora. O xeque egípcio a presidiu. Como ele não fala português, o paulistano traduzia-lhe os pronunciamentos -e os reiterava.
Os islâmicos consideram a sexta-feira um dia sagrado. A de ontem tornou-se ainda mais significativa por ser a primeira desde os bombardeios no Afeganistão.
Raras vezes, porém, os xeques mencionaram diretamente o assunto. Preferiram se concentrar na atual Intifada, a revolta palestina contra a ocupação israelense que teve início em setembro do ano passado. Era disso que Ismail tratava quando se referiu à "batalha entre duas culturas".
Para extremistas árabes, o apoio que Israel recebe dos norte-americanos justifica ataques terroristas nos Estados Unidos. O próprio Osama bin Laden fez a associação em recente depoimento à TV Al Jazeera, de Qatar.
Se não relacionaram a Intifada com os atentados, os xeques da Mesquita Brasil -a mais antiga da América Latina- tampouco adotaram retórica pacifista. Afirmavam coisas como:
* "Nosso dever é lutar até recuperarmos Jerusalém e as terras abençoadas, que os israelenses nos usurparam."
* "Os judeus pensaram que a bendita Intifada seria apenas um lampejo que iria se apagar rapidamente. Entretanto, já entrou no segundo ano. A revolução das pedras apavora os judeus. Eles se escondem atrás dos carros blindados, mesmo possuindo armas pesadas. Que serventia têm tais armas? Alá, por intermédio das crianças, está arremessando as pedras contra os judeus."
Somente depois de discorrer sobre o conflito árabe-israelense é que os xeques abordaram a guerra antiterror. Lembraram que o governo norte-americano resolveu, agora, defender explicitamente a criação de um Estado palestino para atrair o apoio de países do Oriente Médio.
"Vejam vocês: eles aceitam nos dar a terra em troca da paz", discursou Ismail. "Mas a terra que querem nos dar é de quem? Deles? Não. Aquela terra já é nossa. Ninguém estará nos dando nada."
Por fim, em razão do Dia das Crianças, os líderes religiosos pediram a proteção de Alá para meninos e meninas do Afeganistão e da Palestina.
Seis fiéis que assistiram à cerimônia disseram à Folha concordar com as palavras dos xeques. Todos repudiaram os atentados sofridos pelos EUA e rechaçaram o terrorismo, mas também classificaram de injustas as represálias contra os afegãos.
Indagado se pregações como as de ontem não poderiam estimular mais violência, o cardiologista Adil Fares, 41, de origem libanesa, respondeu: "Não estimulam, não. Apenas exortam os muçulmanos a defender e recuperar o que lhes pertence".



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