São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 2000

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Democrata corre risco ao exagerar na defesa de seus direitos

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE WASHINGTON

Esta semana, começou a aparecer, em alguns carros em Washington, um adesivo com os seguintes dizeres: "Richard Nixon em 2000, ele era menos sacana do que Al Gore". É claro que esse tipo de propaganda só pode ser produto de um adversário político do vice-presidente dos EUA.
Mas o simples fato de que o mais odiado presidente do século possa ser usado como modelo de conduta política em comparação com o candidato do Partido Democrata à eleição presidencial deste ano dá uma boa noção do risco político que Gore está correndo ao exagerar na defesa de seus direitos, supostamente violados na votação de terça passada.
Não é só Nixon que serve como exemplo para Gore. Na história do país, nenhum candidato à Presidência derrotado por qualquer margem e diante de qualquer evidência de fraude jamais contestou na Justiça o resultado da eleição.
Eleição é mais ou menos como futebol. O juiz pode errar e deixar evidente que errou, diante da platéia e segundo a fita de vídeo. Ainda assim, o resultado do jogo vale.
Em 1960, Nixon perdeu para John F. Kennedy. Havia provas de que, no condado de Fannin, Texas, Estado sob o comando político do vice da chapa de Kennedy, Lyndon Johnson, 4.895 eleitores haviam depositado 6.238 votos. E que, no 38º distrito eleitoral de Illinois, na cidade de Chicago, liderada pelo prefeito Richard Daley, aliado de Kennedy, 43 pessoas haviam votado 121 vezes depois do fechamento das urnas.
Só dois exemplos de inúmeras outras indicações de fraude. Kennedy ganhara os votos eleitorais de Illinois por uma diferença de menos de 10 mil votos; no Texas, a vantagem também havia sido apertada. Nixon ficou muito tentado a contestar na Justiça todos os casos de suposta ilegalidade de que havia tido conhecimento.
Mas não agiu assim. Claro que, para a história, ele tentou aparentar sua melhor face. Earl Mazo, o primeiro biógrafo de Nixon, diz que ele tomou tal decisão para não ferir os interesses do país.
Richard Reeves, biógrafo de Kennedy, conta história diferente. Nixon não teve do presidente Dwight Eisenhower, de quem era vice, apoio para realizar a pretendida contestação.
Além disso, Nixon sabia que as chances de sucesso na Justiça de uma ação contra o resultado eleitoral eram muito pequenas.
Mas Al Gore também sabe disso, e, com certeza, Bill Clinton, de quem ele é vice, também não sairá em sua defesa no caso de um processo judicial. O que, então, move Gore? Alguns aliados políticos do vice-presidente dizem que ele está apenas dando uma satisfação a seus cabos eleitorais e militantes, que se esforçaram tanto por ele.
Outros acham que ele está sendo movido por puro sentimento de vingança, pelo fato de George W. Bush estar agindo de maneira arrogante. Nenhuma das duas explicações parece convincente, tendo em vista o fato de que Gore é um animal político refinado, que sabe conter os instintos humanos com rigor.
Gore pode estar querendo algo mais, além de mostrar serviço para as bases. Talvez vender mais caro sua derrota; talvez forçar a indicação de alguns aliados para o ministério de Bush, já que tantos analistas recomendam ao presidente eleito -seja quem vier a ser- a formar um governo de união nacional para fechar as feridas da campanha.
O que é claro é que a história ensina a Gore que o melhor a fazer, do ponto de vista do interesse da nação e do seu próprio, é aceitar a derrota de maneira elegante e se capitalizar para o próximo pleito: todos os candidatos que perderam em condições similares às suas e se candidataram em seguida venceram a eleição.


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