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Norte-americanos não têm tradição de divisão de poder
TODD PURDUM
DO "THE NEW YORK TIMES",
DE WASHINGTON
Os norte-americanos não gostam de nada que termine em empate. Quase nenhum esporte nacional permite que ele ocorra. Há
prorrogação, pênaltis e outros artifícios para determinar um vencedor, que todo mundo quer ver.
Portanto não é uma surpresa
que o sistema político do país seja
posto em xeque por uma eleição
que termina quase empatada e
cujo resultado nunca será definido acuradamente.
Esta democracia não tem tradição de apresentar governos de
coalizão ou união nacional: a pessoa que obtém ao menos 270 votos no Colégio Eleitoral ganha o
pleito, mesmo que não vença no
voto popular.
Todos os níveis do sistema foram desenhados para produzir
resultados indiscutíveis. Mas, na
verdade, mesmo numa época de
computadores moderníssimos,
eleições não são totalmente claras. Máquinas de contagem de votos encalham, urnas são perdidas,
eleitores se confundem, como parece ter ocorrido no condado de
Palm Beach, na Flórida.
Assim, em várias eleições em todo o país, recontagem de votos e
batalhas judiciais não são raras.
Acontece que, na maioria dos casos, não é a escolha do líder do
país mais importante do mundo
que está em jogo.
"Isso prova que a votação não é
precisa. Geralmente, temos sorte,
pois isso não faz diferença", disse
o democrata Jerrold Nadler, deputado federal por Nova York, sobre o impasse da Flórida.
Há mais de uma década, segundo especialistas, a paixão e o rancor partidários têm aumentado.
Uma eleição muito disputada,
acontecida em Indiana em 1984,
ajudou a plantar a semente da
amargura que floresceu depois
que os republicanos retomaram o
controle do Congresso, em 1994.
As divisões de agora não são nada comparadas ao estado do país
depois da Guerra da Secessão. Segundo o historiador Robert Dallek, em cinco eleições consecutivas, a partir de 1876, o presidente
foi escolhido sem que houvesse
maioria. Em duas delas, o ganhador no Colégio Eleitoral não vencera no voto popular.
Mas a concepção de democracia
do país era bem diferente naquela
época, bem menos direta. Mulheres não votavam, e, muitas vezes,
os negros também não. Senadores eram eleitos indiretamente
por assembléias estaduais.
As notícias demoravam para
atravessar o país, via telégrafo ou
de trem, e não havia analistas políticos na TV. Aliás, ela ainda não
tinha sido inventada. Hoje as imagens de Palm Beach são comuns.
"Vivemos sobrecarregados de
informação o dia todo. Com isso,
ninguém tem a menor paciência",
disse Douglas Brinkley, historiador do Centro Eisenhower.
Há 200 anos, o presidente John
Adams aceitou Thomas Jefferson,
seu maior rival, como vice. Foi a
única oportunidade em que os
dois partidos ocuparam os postos
mais importantes do governo.
Há quatro anos, Bill Clinton escolheu o senador republicano William Cohen para ser secretário da
Defesa. Mas nunca houve acordos
de divisão de poder, tão comuns
na Bélgica e na Áustria.
"Realmente, temos um sistema
em que o vencedor leva tudo, que
é considerado brutal demais por
outras democracias, pois elas são
mais divididas ideologicamente",
disse Charles Maynes, presidente
da Eurasia Foundation.
Dividir o poder não é fácil. "O
que acontece é que um sistema de
divisão de poder acaba se tornando esclerosado com o tempo",
afirmou Maynes, que salientou
que, até para a contratação de
funcionários, acaba existindo influência dos partidos, o que gera
imobilismo político.
Acabamos quase invejando os
japoneses, que, praticamente, têm
sido governados por um só partido desde o final da Segunda Guerra. Na cultura japonesa, um jogo
perfeito, sem tensão social, terminaria empatado.
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