São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 2000

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Norte-americanos não têm tradição de divisão de poder

TODD PURDUM
DO "THE NEW YORK TIMES",
DE WASHINGTON

Os norte-americanos não gostam de nada que termine em empate. Quase nenhum esporte nacional permite que ele ocorra. Há prorrogação, pênaltis e outros artifícios para determinar um vencedor, que todo mundo quer ver.
Portanto não é uma surpresa que o sistema político do país seja posto em xeque por uma eleição que termina quase empatada e cujo resultado nunca será definido acuradamente.
Esta democracia não tem tradição de apresentar governos de coalizão ou união nacional: a pessoa que obtém ao menos 270 votos no Colégio Eleitoral ganha o pleito, mesmo que não vença no voto popular.
Todos os níveis do sistema foram desenhados para produzir resultados indiscutíveis. Mas, na verdade, mesmo numa época de computadores moderníssimos, eleições não são totalmente claras. Máquinas de contagem de votos encalham, urnas são perdidas, eleitores se confundem, como parece ter ocorrido no condado de Palm Beach, na Flórida.
Assim, em várias eleições em todo o país, recontagem de votos e batalhas judiciais não são raras. Acontece que, na maioria dos casos, não é a escolha do líder do país mais importante do mundo que está em jogo.
"Isso prova que a votação não é precisa. Geralmente, temos sorte, pois isso não faz diferença", disse o democrata Jerrold Nadler, deputado federal por Nova York, sobre o impasse da Flórida.
Há mais de uma década, segundo especialistas, a paixão e o rancor partidários têm aumentado. Uma eleição muito disputada, acontecida em Indiana em 1984, ajudou a plantar a semente da amargura que floresceu depois que os republicanos retomaram o controle do Congresso, em 1994.
As divisões de agora não são nada comparadas ao estado do país depois da Guerra da Secessão. Segundo o historiador Robert Dallek, em cinco eleições consecutivas, a partir de 1876, o presidente foi escolhido sem que houvesse maioria. Em duas delas, o ganhador no Colégio Eleitoral não vencera no voto popular.
Mas a concepção de democracia do país era bem diferente naquela época, bem menos direta. Mulheres não votavam, e, muitas vezes, os negros também não. Senadores eram eleitos indiretamente por assembléias estaduais.
As notícias demoravam para atravessar o país, via telégrafo ou de trem, e não havia analistas políticos na TV. Aliás, ela ainda não tinha sido inventada. Hoje as imagens de Palm Beach são comuns.
"Vivemos sobrecarregados de informação o dia todo. Com isso, ninguém tem a menor paciência", disse Douglas Brinkley, historiador do Centro Eisenhower.
Há 200 anos, o presidente John Adams aceitou Thomas Jefferson, seu maior rival, como vice. Foi a única oportunidade em que os dois partidos ocuparam os postos mais importantes do governo.
Há quatro anos, Bill Clinton escolheu o senador republicano William Cohen para ser secretário da Defesa. Mas nunca houve acordos de divisão de poder, tão comuns na Bélgica e na Áustria.
"Realmente, temos um sistema em que o vencedor leva tudo, que é considerado brutal demais por outras democracias, pois elas são mais divididas ideologicamente", disse Charles Maynes, presidente da Eurasia Foundation.
Dividir o poder não é fácil. "O que acontece é que um sistema de divisão de poder acaba se tornando esclerosado com o tempo", afirmou Maynes, que salientou que, até para a contratação de funcionários, acaba existindo influência dos partidos, o que gera imobilismo político.
Acabamos quase invejando os japoneses, que, praticamente, têm sido governados por um só partido desde o final da Segunda Guerra. Na cultura japonesa, um jogo perfeito, sem tensão social, terminaria empatado.


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