São Paulo, sábado, 13 de novembro de 2004

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PALESTINA ÓRFÃ

Palestinos aproveitam presença de interlocutores de alto escalão para lamentarem a interrupção das negociações com Israel

Funeral se transforma em ato político

DA ENVIADA ESPECIAL AO CAIRO

Os funerais de Iasser Arafat foram sobretudo um acontecimento político do qual os palestinos procuraram muito discretamente tirar proveito. Eram beneficiados pelo luto e pelo histórico das frustrações do dirigente morto nas imediações de Paris.
Discussões tanto entre líderes de países muçulmanos quanto destes com representantes de governos europeus, depois do velório no Cairo, revelavam preocupações e dúvidas sobre o futuro da unidade entre palestinos e das negociações de paz com Israel.
Os europeus não estavam pessimistas. O ministro francês das Relações Exteriores, Michel Barnier, e o espanhol, Miguel Angel Morantinos, antigo representante da União Européia no Oriente Médio, estavam entre os que acreditavam que a morte de Arafat poderia ter como efeito fazer renascer as negociações de paz entre palestinos e israelenses.
O assunto era abordado de modo discreto. Seria indelicado qualificar Arafat de obstáculo. Mas era praticamente consensual entre os europeus que a partir de agora Israel teria mais dificuldades em rejeitar seus interlocutores palestinos.
A Folha conseguiu presenciar uma rápida conversa entre Farouk Kaddoumi, líder palestino que, com a morte de Arafat, assumiu a chefia do movimento Fatah, e o ministro das relações exteriores da Ucrânia, Kostyantyn Gryshchenko. Ambos dialogaram num dos salões do Hotel Sheraton, localizado próximo ao aeroporto do Cairo, e onde as delegações estrangeiras se reuniram ou foram hospedadas.
Depois de ouvir condolências e uma mensagem de apoio de Gryshchenko, Kaddoumi, considerado um político de linha dura, começou falando de Arafat, mas acabou fazendo praticamente um discurso contra Israel, pontuado por críticas aos Estados Unidos.
"Foi uma grande perda para a Palestina. Arafat foi nosso líder por mais de 40 anos", disse Kaddoumi, que falava baixo e parecia estar consternado.
Ele em seguida se referiu às tentativas fracassadas de negociações com Israel. Afirmou que as lideranças palestinas aceitaram o plano de paz, chamado "road map" (mapa da estrada) proposto em 2003 por países como Estados Unidos e Reino Unido e pela ONU. Em seguida, disse que Israel boicotou o plano, não cumprindo as regras de não-ataque.
"Israel vem usando artilharia pesada para matar palestinos", afirmou Kaddoumi. Ele disse também que os líderes palestinos "têm dúvidas se Israel quer um cessar-fogo". Ele ressaltou ainda que os recentes esforços do processo de paz começaram a andar para trás depois de um encontro entre o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, e o presidente norte-americano, George W. Bush, em abril passado. "Depois disso, tudo ficou congelado", disse Kaddoumi.
Ele também criticou os Estados Unidos, que não mais estariam empenhados na questão palestina, em parte, porque elegeram o Iraque como foco de ação. "Os EUA já queriam invadir o Iraque. Estavam determinados a isso", disse ele a Gryshchenko.
Outros membros de governos árabes também criticavam Israel e os Estados Unidos, depois dos funerais de Arafat.
O ministro da Educação Superior da Somália, Zakaria Abdi, disse que era lamentável o fato de o governo norte-americano não ter enviado uma delegação de maior prestígio protocolar.
(ÉRICA FRAGA)


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