São Paulo, quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

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ANÁLISE

Graças ao açúçar, "pedaço da África" já foi uma "pérola"

HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

No Brasil, Haiti virou sinônimo de miséria e das piores mazelas da pobreza. Na França, designações comuns para o país caribenho incluem "nação patética" e "pedaço de África perdido no meio da Américas". Nem sempre foi assim.
Faz tempo, é verdade, mas o Haiti também já foi conhecido como "pérola das Antilhas". No fim do século 18, graças à cultura do açúcar -produto cuja importância só é comparável à que tem hoje o petróleo-, a possessão francesa de Saint-Domingue era tida como a colônia mais rica do mundo.
É claro que a pujança se fundava sobre a brutal exploração de cerca de 500 mil negros que trabalhavam do nascer ao pôr do sol sob condições desumanas e submetidos a cruéis castigos, consubstanciados no "Code Noir" (Código Negro), as leis que Colbert escreveu para conter o crescente problema de revoltas de escravos.
Ele não conseguiu. Em 1791, sob o espírito da Revolução Francesa e a liderança de Toussaint Louverture, também conhecido como Espártaco negro, teve início uma rebelião escrava que, 13 anos depois, levaria à independência do Haiti. Seria a segunda das Américas e resultaria na primeira República negra do mundo.
Louverture, que era um notável estrategista e dono de um incomum bom senso econômico, foi capturado à traição por forças napoleônicas e despachado para morrer numa cela nos Alpes do Jura. Seu sucessor, Jean-Jacques Dessalines, conseguiu derrotar os franceses e proclamar a independência a 1º de janeiro de 1804.
A guerra, contudo, deixara o país em ruínas. As plantações estavam devastadas e antigos ressentimentos entre a maioria negra e a minoria mulata ressurgiam. Pior: Dessalines não reunia as mesmas qualidades de liderança de Louverture. No poder, sua primeira medida foi sagrar-se imperador.
Para tornar o quadro ainda mais desalentador, as potências da época, que temiam o contágio abolicionista, lançaram a jovem república negra no ostracismo político.
Daí em diante, a história do Haiti é uma sucessão de desastres. Em 1825, os franceses despacharam uma esquadra para reconquistar a ilha. Desistiram de fazê-lo depois que o governo haitiano concordou em pagar uma indenização de 150 milhões de francos, depois renegociada para 90 milhões. A última prestação da alforria só seria quitada em 1883.
Em seguida veio uma sucessão de golpes de Estado e intervenções estrangeiras, notadamente norte-americanas. Em 1888, os marines invadiram pela primeira vez o país. Mas não foram só os americanos. Vários outros grupos, apoiados por exércitos de várias nacionalidades, se aventuraram no Haiti. Até a pequenina minoria síria do país patrocinou um golpe de Estado em 1912.
Na mais longa intervenção, os norte-americanos ocuparam o Haiti entre 1915 e 1934.
A situação de algum modo se estabilizou no contexto da Guerra Fria. Mas não era uma estabilidade a invejar. Ela ocorreu sob a ditadura dos Duvalier -Papa e Baby Doc- (1957-86) com seus temíveis "Tonton Macoutes" -paramilitares que semeavam o terror pela ilha.
Com o fim da tirania, foi retomada a rotina de instabilidade política. Os americanos, porém, já não precisam intervir a todo instante. Encontraram no Brasil e na ONU bons substitutos.


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