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ANÁLISE
Graças ao açúçar, "pedaço da África" já foi uma "pérola"
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
No Brasil, Haiti virou sinônimo de miséria e das piores mazelas da pobreza. Na França,
designações comuns para o
país caribenho incluem "nação
patética" e "pedaço de África
perdido no meio da Américas".
Nem sempre foi assim.
Faz tempo, é verdade, mas o
Haiti também já foi conhecido
como "pérola das Antilhas". No
fim do século 18, graças à cultura do açúcar -produto cuja importância só é comparável à
que tem hoje o petróleo-, a
possessão francesa de Saint-Domingue era tida como a colônia mais rica do mundo.
É claro que a pujança se fundava sobre a brutal exploração
de cerca de 500 mil negros que
trabalhavam do nascer ao pôr
do sol sob condições desumanas e submetidos a cruéis castigos, consubstanciados no "Code Noir" (Código Negro), as leis
que Colbert escreveu para conter o crescente problema de revoltas de escravos.
Ele não conseguiu. Em 1791,
sob o espírito da Revolução
Francesa e a liderança de Toussaint Louverture, também conhecido como Espártaco negro, teve início uma rebelião escrava que, 13 anos depois, levaria à independência do Haiti.
Seria a segunda das Américas e
resultaria na primeira República negra do mundo.
Louverture, que era um notável estrategista e dono de um
incomum bom senso econômico, foi capturado à traição por
forças napoleônicas e despachado para morrer numa cela
nos Alpes do Jura. Seu sucessor, Jean-Jacques Dessalines,
conseguiu derrotar os franceses e proclamar a independência a 1º de janeiro de 1804.
A guerra, contudo, deixara o
país em ruínas. As plantações
estavam devastadas e antigos
ressentimentos entre a maioria
negra e a minoria mulata ressurgiam. Pior: Dessalines não
reunia as mesmas qualidades
de liderança de Louverture. No
poder, sua primeira medida foi
sagrar-se imperador.
Para tornar o quadro ainda
mais desalentador, as potências da época, que temiam o
contágio abolicionista, lançaram a jovem república negra no
ostracismo político.
Daí em diante, a história do
Haiti é uma sucessão de desastres. Em 1825, os franceses despacharam uma esquadra para
reconquistar a ilha. Desistiram
de fazê-lo depois que o governo
haitiano concordou em pagar
uma indenização de 150 milhões de francos, depois renegociada para 90 milhões. A última prestação da alforria só seria quitada em 1883.
Em seguida veio uma sucessão de golpes de Estado e intervenções estrangeiras, notadamente norte-americanas. Em
1888, os marines invadiram pela primeira vez o país. Mas não
foram só os americanos. Vários
outros grupos, apoiados por
exércitos de várias nacionalidades, se aventuraram no Haiti.
Até a pequenina minoria síria
do país patrocinou um golpe de
Estado em 1912.
Na mais longa intervenção,
os norte-americanos ocuparam
o Haiti entre 1915 e 1934.
A situação de algum modo se
estabilizou no contexto da
Guerra Fria. Mas não era uma
estabilidade a invejar. Ela ocorreu sob a ditadura dos Duvalier
-Papa e Baby Doc- (1957-86)
com seus temíveis "Tonton
Macoutes" -paramilitares que
semeavam o terror pela ilha.
Com o fim da tirania, foi retomada a rotina de instabilidade
política. Os americanos, porém,
já não precisam intervir a todo
instante. Encontraram no Brasil e na ONU bons substitutos.
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