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São Paulo, sexta-feira, 14 de março de 2003

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A VOLTA DO PROFESSOR

Em palestra, ex-presidente vê risco de ruína das instituições pós-2ª Guerra

FHC ataca ação "imperial" de Bush

DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou ontem a "atitude imperial" dos EUA e disse que uma eventual guerra contra o Iraque não deve ser entendida em função de interesses meramente econômicos. Segundo FHC, a posição dos EUA pode ser caracterizada como "pós-imperialista", no sentido de que o governo Bush teria "uma vontade de plasmar o mundo a partir de valores absolutos: o bem e o mal".
"É arriscado fundamentar ações a partir de valores últimos, absolutos. Não se pode dizer que o seu valor é bom e o outro é mau. Quem vai dizer o que é bom e o que é mau? Os fundamentalistas islâmicos poderão dizer que os Estados Unidos são o mal. Não podemos adotar uma posição maniqueísta, nem de um lado nem de outro", disse FHC, em aula magna dentro da série "Grandes Cursos", da TV Cultura, realizada no teatro Franco Zampari, em São Paulo.
Foi o primeiro evento público do qual participou FHC no Brasil desde que deixou a Presidência. De volta da Europa no último domingo, ele não fez ontem nenhum comentário sobre assuntos internos do Brasil e não respondeu a perguntas.
A aula, sob o título "A Crise Internacional e o Multilateralismo", será exibida pela TV Cultura no próximo dia 24. Compareceram cerca de 250 pessoas, entre elas o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e a ex-primeira-dama Ruth Cardoso.
Para FHC, é importante que as relações internacionais tenham uma "base moral", mas essa base não pode ser "maniqueísta" e sim construída a partir de negociações nas instituições multilaterais, da colaboração entre os Estados e do pluralismo.
Ele afirmou que o mundo vive, em virtude do impasse no Conselho de Segurança da ONU e da ameaça dos EUA de atacar o Iraque mesmo sem o apoio das Nações Unidas, uma "situação limite". "É importante evitar que haja um retrocesso em todos os esforços das últimas décadas de construção de instituições multilaterais, ainda que elas sejam imperfeitas e frágeis."
"Ou marchamos para reforçar essas instituições ou entraremos num período prolongado de esfacelamento do multilateralismo", disse. Segundo o ex-presidente, não é apenas a ONU que pode sair prejudicada se houver uma ação unilateral (sem apoio do Conselho de Segurança) contra o Iraque, mas também outras instâncias de cooperação entre os países, como a União Européia, a Otan (aliança militar ocidental liderada pelos EUA) e até mesmo o Mercosul.
Para FHC, o problema do desarmamento do Iraque não é o último que o mundo enfrentará e é preciso preservar as instituições multilaterais. "Precisamos avançar numa radicalização da democracia", disse.
Ele evitou marcar uma posição sobre o que fazer em relação ao Iraque. Segundo ele, seria melhor "liquidar Saddam sem a guerra", mas o fundamental é buscar uma solução "através dos mecanismos internacionais de legitimação das ações".
FHC encerrou sua palestra dizendo que vê a possibilidade de que a crise leve a uma renovação da ONU e das demais instituições multilaterais. "Sempre achei que seria preferível alterar a ordem mundial a partir das instituições financeiras, comerciais. Mas quem sabe não poderemos começar pelo lado político?", disse.


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