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São Paulo, segunda-feira, 14 de abril de 2003

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Brincadeira de marine revolta bagdalis

Os ânimos entre invasores (autoproclamados libertadores) e invadidos continuam exaltados.

O soldado Brian, que já visitou Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, queria apenas fazer uma brincadeira. No painel frontal externo do veículo que conduz, um trator anfíbio do Exército norte-americano, pregou uma placa que pertencia a um carro iraquiano e que achou jogada na rua, uma das tais "lembranças" que o presidente George W. Bush pediu que os marines devolvessem.

Nem cinco minutos se passaram, e bagdalis foram parando em frente ao veículo e comentando. Aos poucos, um grupo de pelo menos dez pessoas gritava slogans anti-Estados Unidos e exigia que a chapa fosse retirada. O soldado desceu, arrancou a placa e a devolveu aos que reclamavam sem nem tentar argumentar.

Por essa e outras, ninguém anda com bandeiras norte-americanas ou britânicas à vista. Ontem, o sargento Pitonias, marine, desfilava com uma flor branca na lapela. "Pela paz", disse.

O fato é que, até agora, apenas uma minoria entre os habitantes de Bagdá se manifestou. Foi uma minoria que saiu às ruas para derrubar as estátuas de Saddam Hussein e comemorar a queda do regime, é uma minoria que continua saqueando os prédios públicos (e, agora, muitos privados), assim como muito poucos protestam contra a presença dos norte-americanos na cidade.

A maioria dos bagdalis continua esperando silenciosamente.

Por falar em Saddam Hussein, muito tempo vai passar até que a população consiga derrubar todas as estátuas, queimar todos os quadros e arrancar todas as faixas com o rosto do ex-ditador iraquiano que se espalha pela cidade. São milhares e milhares, em literalmente todos os lugares públicos, muitos ainda intocados.

Ontem, pela primeira vez desde quinta-feira, o primeiro comboio da imprensa vindo de Amã (Jordânia) foi proibido de entrar em Bagdá pelos marines. Por enquanto, diz o Exército norte-americano, a cidade (leia-se os dois hotéis que têm geradores próprios) não conta com infra-estrutura para receber mais jornalistas estrangeiros.

Na terça, horas antes de a cidade ser tomada pelos marines e de toda a equipe do Ministério da Informação iraquiana desaparecer do mapa, o diretor de imprensa, Udai al-Tai, reuniu todas as emissoras de TV estrangeiras presentes em Bagdá e as ameaçou de cortar a energia caso não pagassem o que deviam pela "licença de trabalho" do governo.

Como já explicado neste diário, o regime de Saddam Hussein cobrava entre US$ 250 e US$ 750 por dia por jornalista estrangeiro para permitir que este trabalhasse em solo iraquiano. Havia uma taxa de manutenção, uma de utilização de telefone por satélite, outra de utilização de câmera fotográfica ou de TV etc. etc.

Pois bem. Uma hora depois da reunião de terça-feira, Udai al-Tai subiu para seu quarto do hotel Palestine pela última vez carregando uma maleta com US$ 200 mil em dinheiro vivo. Somente notas de dólar.

Os que não pagaram estão comemorando até hoje.

Uma das únicas sedes de ministérios iraquianos não atingida por bombas e mísseis em Bagdá? A do Ministério do Petróleo.

Uma das únicas sedes que não foram saqueadas e incendiadas pela população, pois conta com um grupo de marines protegendo-a desde quarta-feira? A do Ministério do Petróleo.


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