São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998

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EM BUSCA DO PASSADO
Suposto pai denuncia plano para sequestros

de Buenos Aires

O regime militar tinha um plano sistemático a fim de se apropriar de menores, filhos de presos políticos.
Essa é a tese das Avós da Praça de Maio e de Abel Madariaga, funcionário da entidade e suposto pai de Pablo Bianco.
Pablo é registrado como filho de Norberto Bianco, médico militar que trabalhava em Campo de Maio, preso neste ano.
Bianco reconhece que não é pai do garoto e de Carolina, 22, e disse que cometeu um "delito de amor" ao registrá-los como filhos. Mas nega que os tenha sequestrado.
"Nenhuma mulher que pariu na prisão sobreviveu. Isso evidencia o plano sistemático de sequestro. Os militares pensavam que, se devolvessem às famílias, teriam novos subversivos", afirmou Madariaga.
Na semana passada, em depoimento à Justiça, Agatino Di Benedetto, ex-diretor do Hospital Militar de Campo de Maio, admitiu que a realização de partos clandestinos no local, entre 1977 e 79.
As Avós da Praça de Maio têm 178 processos na Justiça contra os militares por sequestro de menores. Querem voltar a prender os militares, condenados depois do regime e libertados por indulto do presidente Carlos Menem. A seguir os principais trechos da entrevista de Madariaga à Folha.

Folha- Por que acredita que Pablo é seu filho?
Abel Madariaga -
Minha mulher, a médica Silvia Quintela, desapareceu em 17 de janeiro de 77, com três meses de gravidez. Militávamos na Juventude Peronista. Gente que sobreviveu ao regime soube que ela teve um garoto no fim de julho. Em 83, com o fim do regime, começamos a receber denúncias e, junto com o governo democrático, investigamos o que havia passado. Por essas informações, Pablo pode ser meu filho.
Folha - Tentou contatá-lo?
Madariaga -
Tentei, mas ele não quis me receber. Ele ficou 20 anos com a mentira. A verdade é dolorosa. Ele vai me rechaçar num primeiro momento, mas não há futuro sem raízes.
Folha - Como vê Videla preso?
Madariaga -
Não tinha mais esperança de ver isso. Esse é um país tão terrível na impunidade. Voltei na história, me vieram imagens, minha mulher, meus companheiros. É um triunfo.
Folha - Que atitude tomou durante o regime?
Madariaga -
Saí do país em dezembro de 77, fui para o Rio de Janeiro e depois Suécia. Quando voltei, tomei consciência da quantidade de pessoas que tinham desaparecido. Minha vida tem um antes e um depois. Vivo sem alegria.
Folha - A prisão de Videla significa o fim da impunidade?
Madariaga -
A impunidade geral que temos hoje é fruto da impunidade do regime militar. Videla pode ser um sinal do fim da impunidade.



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