São Paulo, domingo, 14 de junho de 1998

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HERANÇAS DA GUERRA FRIA
Em visita aos EUA, presidente Kim consegue apoio para "diálogo" com a comunista Coréia do Norte
Coréia do Sul refaz política para reunificação

JAIME SPITZCOVSKY
Editor de Exterior e Ciência
O presidente sul-coreano, Kim Dae Jung, elegeu-se em dezembro com dois desafios principais: tirar o país da crise financeira e administrar as espinhosas relações com a Coréia do Norte. Na semana passada, Kim contabilizou uma importante vitória ao arrancar do presidente dos EUA, Bill Clinton, apoio para sua estratégia de "diálogo e afrouxamento das sanções" contra o último regime stalinista do planeta.
A divisão da península coreana, com um país comunista no norte e outro capitalista no sul, sobrevive como herança da Guerra Fria. Permite ainda a existência de uma fronteira tensa e militarizada e do espectro de um confronto bélico que envolveria ainda os 35 mil soldados norte-americanos aquartelados na Coréia do Sul.
O oposicionista Kim, 74, venceu as eleições com a promessa de manter o acordo firmado no ano passado com o Fundo Monetário Internacional para salvar o país da bancarrota. No front econômico, o novo governo segue a cartilha do FMI com disciplina oriental, a ponto de o diretor-gerente da organização, Michel Camdessus, dizer que a Coréia do Sul implementa "120% do acordo".
A audácia do Kim estrategista substitui o bom-mocismo do Kim administrador. O presidente sul-coreano propõe uma pequena revolução na forma de encarar o vizinho vermelho. "Não temos nada a temer da Coréia do Norte", disse o presidente em sua visita de nove dias aos EUA, iniciada em 6 de junho.
Kim desafia as idéias de asfixiar o regime norte-coreano por meio de sanções econômicas e isolamento político. Pede aos EUA que suavizem sua política e, em contrapartida, exorta a Coréia do Norte a adotar reformas na economia, a exemplo de China, Vietnã e Cuba. Seria o caminho para uma "reunificação gradual e pacífica".

Colapso
Kim busca evitar um colapso repentino do regime de Kim Jong Il, o dirigente máximo norte-coreano. A desintegração poderia significar um fluxo de refugiados para o sul e uma reunificação nos moldes alemães de 1990, quando a Alemanha Ocidental teve de absorver a porção oriental, com alto custo econômico.
Kim Dae Jung também teme uma aventura militar norte-coreana no caso de um colapso do regime stalinista. As Forças Armadas representam o principal alicerce de sustentação de Kim Jong Il e poderiam embarcar num ataque contra o sul, uma tentativa desesperada de justificar sua "liderança".
A Coréia do Norte enfrenta séria crise econômica, revelada principalmente pela escassez de alimentos. O país, uma das mais imponentes máquinas militares construídas durante a Guerra Fria, depende hoje de ajuda humanitária.
O regime norte-coreano entrou para a história como o primeiro a promover uma dinastia comunista. Seu fundador, Kim Il Sung, morreu em 1994, e o trono ficou para o filho Kim Jong Il, que continua a tradição de cobrir a vida política do país com um manto de mistério.
Kim Dae Jung arrancou de Clinton o "compromisso da reciprocidade". Washington se disse disposto a responder a gestos de abertura da Coréia do Norte com suavização das sanções.
Para aplacar o poderoso lobby antidiálogo existente nos EUA e na Coréia do Sul, Kim Dae Jung disse: "Não vamos tolerar nenhuma provocação armada norte-coreana". Admitiu ainda os riscos de sua estratégia ao comentar ser "difícil confiar num comunista".



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