São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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ORIENTE MÉDIO

A partir de amanhã, cada casa dos assentamentos será notificada de que seus moradores terão de se mudar até quarta

Porta a porta, Israel inicia a saída de Gaza

MICHEL GAWENDO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE GUSH KATIF

A partir de amanhã, soldados e policiais de Israel desarmados vão passar de porta em porta nos assentamentos judaicos da faixa de Gaza e notificar os moradores de que a permanência em suas casas depois desta quarta-feira será ilegal e que serão retirados à força.
O plano envolve a transferência de 8.500 pessoas, 38 sinagogas e 48 túmulos. Cinco mil crianças vão precisar trocar de escola, enquanto 166 agricultores judeus e 5 mil trabalhadores palestinos terão de procurar outros empregos.
Quando o último colono e o último soldado saírem, Israel encerrará 38 anos de presença militar e civil em Gaza, capturada do Egito na Guerra dos Seis Dias, em 1967. O acontecimento fará história, mas ainda é incerto se fará paz.
O governo israelense diz que a Desconexão (como chama a retirada), que também inclui o fim de quatro pequenos assentamentos do norte da Cisjordânia, trará mais segurança ao país e comprometeu-se a voltar a negociar seguindo o Mapa do Caminho, plano de paz patrocinado pelos EUA.
O premiê Ariel Sharon diz que, após sair de Gaza, Israel manterá o controle de blocos de assentamentos da Cisjordânia. O ministro da Defesa, Shaul Mofaz, e o presidente, Moshé Katsav, reforçaram essa posição recentemente.

Festejos
Para o governo palestino, a "retirada de Gaza" é a porta para outras concessões israelenses, como territórios na Cisjordânia e autonomia na parte oriental de Jerusalém, a caminho da criação do Estado palestino. Já foram realizadas festas e comícios para comemorar o fim da ocupação.
Os grupos terroristas consideram a "fuga" uma vitória contra Israel e repetem os bordões de expulsão dos judeus da Palestina histórica, desafiando as posições moderadas do presidente palestino, Mahmoud Abbas.
Para os colonos, a "expulsão" representa uma traição de Israel, que durante décadas incentivou a colonização. Além da questão ideológica do fim de um sonho religioso de morar em todas as partes da Israel bíblica, os problemas deles são de ordem prática: traumas da mudança, escola para os filhos, novo emprego.
O governo de Israel estima que a maioria sairá dos assentamentos de forma pacífica e receberá a indenização proposta, na média de US$ 200 mil. Mas muitos acham a decisão antidemocrática e prometem resistir, com ajuda de opositores do plano, os "laranjas".
As forças de segurança israelenses têm impedido a entrada em massa dos ativistas da direita religiosa que prometeram atrapalhar a retirada. Mas o Exército reconhece que pelo menos 2.000 pessoas conseguiram infiltrar-se nos assentamentos. Na maioria, são jovens religiosos que escolheram a atuação política como principal atividade das férias de verão.
Em Kfar Darom, assentamento fundado em 1946, os infiltrados montaram uma acampamento para religiosos e nacionalistas que foram à região ajudar na "luta", como eles se referem ao movimento popular anti-retirada.
No portão do assentamento, ao lado de blindados do Exército, crianças controlam a entrada e a saída de carros e avisam os adultos sobre a presença de estranhos.
Na praça central de Neve Dekalim, maior colônia de Gaza, foi montada uma barraca para coordenar os protestos. Um grupo de americanos judeus e cristãos comprou pacotes de viagem a US$ 2 mil para levar apoio aos colonos. "Os judeus têm de ficar aqui por questões políticas e religiosas. A saída reforçará o terrorismo", diz o cristão Dave Heart.
Avi, 15, mora no assentamento e disse que recebeu orientações de apelar ao sentimentalismo dos soldados. "Quando eles chegarem para me tirar de casa, vão ver minha mãe chorando. Vou olhar nos olhos deles e perguntar como eles têm coragem de expulsar outro judeu de sua casa."
Os cenários esperados pela polícia vão dos mais leves - gritos e empurra-empurra - até os mais apocalípticos, como suicídio coletivo de colonos, resistência armada em casas fortificadas e abrigos contra morteiros palestinos.
Serão usados 15 mil homens para colocar a retirada em prática e lidar com a resistência. Eles fizeram as últimas simulações na semana passada, no sul de Israel.
"Nossa primeira orientação é evitar a violência. Queremos que saiam de maneira respeitosa. Mas estamos preparados para usar a força", disse o comandante da polícia da retirada, Aharon Franco, em intervalo dos treinamentos.

Dor
Há cerca de quinze dias, o governo de Israel começou a exibir propagandas dizendo ter uma solução para cada família de colonos. A principal é a mudança para um novo bairro, a cerca de 10 quilômetros ao norte de Gaza, de 350 casas pré-fabricadas de 60 ou 90 metros quadrados, com ar-condicionado, a cerca de 1 km da praia.
Na última semana, o movimento no local, na região de Nitzanim, aumentou muito. "Os colonos perceberam a realidade e que, se não se apressassem, ficariam sem lugar aqui", disse o administrador das obras, Arie Eldar.
Numa das casas, o agricultor Yehoam Sharabi estava tirando medidas antes de fazer a mudança. "Não dá. Minha casa em Gush Katif tem 350 metros quadrados. Aqui tem 90. Somos sete na família. Mas não tenho outra solução. Vou largar tudo lá e vir. Não sei o que vai acontecer", disse. "Depois dos 50 anos, vai ser difícil começar com a agricultura do zero."
Mas nem todos sabem para onde vão. O governo ofereceu também soluções provisórias, como quartos em hotéis, ou apartamentos alugados no sul de Israel.
Tziona Shabar, do assentamento Morag, colocou todos os móveis num contêiner que recebeu do Exército. Na sexta-feira, com a casa vazia, despediu-se dos quatro palestinos que trabalhavam nas suas estufas de tomates e ervas. "Não paro de chorar. É muito difícil sair." Ela diz que chegou ao local em 1987. "Vim porque era um lugar bonito. Dois meses depois, começou a primeira Intifada. Agora, passamos pela segunda. Mesmo assim, queria ficar."

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