|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Plano cria cisão social, diz analista
LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO
Decidida unilateralmente, a remoção dos 21 assentamentos judaicos de Gaza e de quatro dos 120
existentes na Cisjordânia tem implicações incertas no processo de
paz com os palestinos, mas efeitos
profundos sobre a política interna
de Israel, segundo afirmou à Folha uma das principais analistas
políticas do país, Naomi Chazan.
O ponto mais importante e complexo, no entanto, é a divisão que
a retirada interpôs à sociedade israelense, diz.
Professora de ciência política da
Universidade Hebraica de Jerusalém e ex-deputada pelo Meretz
(principal partido de esquerda israelense), Chazan, 58, ocupou a
vice-presidência do Knesset (Parlamento de Israel) até 2003. Para
ela, o plano do premiê Ariel Sharon, que será posto em prática a
partir de quarta, levará à remodelação do mapa político do país.
"Tenho muito claramente para
mim que esse governo não se segura por muito tempo, e haverá
eleições antecipadas", disse Chazan, citando a renúncia, no último
fim de semana, do ministro das finanças Benjamim Netanyahu. O
ex-premiê deixou o cargo para
protestar contra a retirada e leva
vantagem sobre Sharon em pesquisas entre eleitores do partido
do governo, o Likud.
"Por conta do que acontece no
próprio partido de Sharon, é muito possível que haja uma cisão
partidária antes da próxima eleição. Não é impossível que Sharon
concorra como candidato independente, e não pelo Likud", afirmou a professora. "Creio que haverá mudanças no mapa dos partidos políticos de Israel."
Messianismo
Essa remodelação política, acredita Chazan, ocorre num momento delicado para a sociedade
israelense. "A oposição à retirada
é o ponto mais complexo", diz,
lembrando que o apoio ao plano
de Sharon, segundo pesquisas,
tem se mantido firme entre os
55% e 60%. "Embora [a oposição]
venha de uma minoria, está desafiando os valores democráticos do
sistema israelense e se fundamenta num pensamento messiânico."
A ex-deputada não se arrisca a
prever as conseqüências dessa
ruptura. "Mas é uma cisão na sociedade israelense muito séria entre uma forma de fundamentalismo judeu surgida aqui e a maioria, que defende valores liberais-democráticos."
Ela não descarta a possibilidade
de guerra civil, levantada pela imprensa local recentemente. Mas
acha a chance remota. "[Guerra
civil] é um termo muito forte. Mas
há um atrito crescente."
Já ataques isolados como o de
um soldado desertor judeu que há
cerca de dez dias matou quatro
árabes-israelenses a tiros em um
ônibus tornaram-se um temor
mais palpável ante as dissonâncias. "O que aconteceu foi horrível
e não tinha como ser previsto ou
evitado, mas indica que ninguém
está seguro", afirma. "Não aposto
nisso [crescimento da violência
extremista], mas não descarto a
hipótese. Há que ficar atento."
Quanto à retirada em si, Chazan
espera que o processo transcorra
com o mínimo de violência. "Vai
ser bagunçado, porque algumas
pessoa vão se recusar a serem removidas, e será necessário usar
força física. Mas não acredito que
isso ocorra em larga escala."
Quanto ao processo de paz com
os palestinos, sobre este paira a
maior das incógnitas -ainda que
isso não remova a importância da
retirada. Isso porque a decisão foi
tomada unilateralmente por Israel, e embora esteja sendo celebrada pela maioria dos palestinos,
seus efeitos sobre as negociações
de paz são limitados.
"É importante acabar com a
ocupação de Gaza e remover os
assentamentos, mas esse não é
um evento pacífico -não foi planejado para ser, infelizmente",
diz. "É um exercício de administração de conflito. É unilateral. E,
propositadamente, não está ligado a negociações", afirma.
"A retirada de Gaza é importante por si só, mas, pelo fato de não
ser ligada a uma negociação, não
resolve o conflito nem necessariamente contribui para uma resolução", afirma. "Mesmo se houver
mais passos unilaterais na Cisjordânia, em última análise será necessário um acordo", pondera.
"Não haverá solução enquanto
não houver negociação. É fundamental que desse ponto partamos
para um acordo negociado."
Texto Anterior: Aldeia de "informantes" vive dilema Próximo Texto: "Eixo do mal": Bush não descarta uso da força contra Irã Índice
|