São Paulo, domingo, 14 de agosto de 2005

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Plano cria cisão social, diz analista

LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO

Decidida unilateralmente, a remoção dos 21 assentamentos judaicos de Gaza e de quatro dos 120 existentes na Cisjordânia tem implicações incertas no processo de paz com os palestinos, mas efeitos profundos sobre a política interna de Israel, segundo afirmou à Folha uma das principais analistas políticas do país, Naomi Chazan. O ponto mais importante e complexo, no entanto, é a divisão que a retirada interpôs à sociedade israelense, diz.
Professora de ciência política da Universidade Hebraica de Jerusalém e ex-deputada pelo Meretz (principal partido de esquerda israelense), Chazan, 58, ocupou a vice-presidência do Knesset (Parlamento de Israel) até 2003. Para ela, o plano do premiê Ariel Sharon, que será posto em prática a partir de quarta, levará à remodelação do mapa político do país.
"Tenho muito claramente para mim que esse governo não se segura por muito tempo, e haverá eleições antecipadas", disse Chazan, citando a renúncia, no último fim de semana, do ministro das finanças Benjamim Netanyahu. O ex-premiê deixou o cargo para protestar contra a retirada e leva vantagem sobre Sharon em pesquisas entre eleitores do partido do governo, o Likud.
"Por conta do que acontece no próprio partido de Sharon, é muito possível que haja uma cisão partidária antes da próxima eleição. Não é impossível que Sharon concorra como candidato independente, e não pelo Likud", afirmou a professora. "Creio que haverá mudanças no mapa dos partidos políticos de Israel."

Messianismo
Essa remodelação política, acredita Chazan, ocorre num momento delicado para a sociedade israelense. "A oposição à retirada é o ponto mais complexo", diz, lembrando que o apoio ao plano de Sharon, segundo pesquisas, tem se mantido firme entre os 55% e 60%. "Embora [a oposição] venha de uma minoria, está desafiando os valores democráticos do sistema israelense e se fundamenta num pensamento messiânico."
A ex-deputada não se arrisca a prever as conseqüências dessa ruptura. "Mas é uma cisão na sociedade israelense muito séria entre uma forma de fundamentalismo judeu surgida aqui e a maioria, que defende valores liberais-democráticos."
Ela não descarta a possibilidade de guerra civil, levantada pela imprensa local recentemente. Mas acha a chance remota. "[Guerra civil] é um termo muito forte. Mas há um atrito crescente."
Já ataques isolados como o de um soldado desertor judeu que há cerca de dez dias matou quatro árabes-israelenses a tiros em um ônibus tornaram-se um temor mais palpável ante as dissonâncias. "O que aconteceu foi horrível e não tinha como ser previsto ou evitado, mas indica que ninguém está seguro", afirma. "Não aposto nisso [crescimento da violência extremista], mas não descarto a hipótese. Há que ficar atento."
Quanto à retirada em si, Chazan espera que o processo transcorra com o mínimo de violência. "Vai ser bagunçado, porque algumas pessoa vão se recusar a serem removidas, e será necessário usar força física. Mas não acredito que isso ocorra em larga escala."
Quanto ao processo de paz com os palestinos, sobre este paira a maior das incógnitas -ainda que isso não remova a importância da retirada. Isso porque a decisão foi tomada unilateralmente por Israel, e embora esteja sendo celebrada pela maioria dos palestinos, seus efeitos sobre as negociações de paz são limitados.
"É importante acabar com a ocupação de Gaza e remover os assentamentos, mas esse não é um evento pacífico -não foi planejado para ser, infelizmente", diz. "É um exercício de administração de conflito. É unilateral. E, propositadamente, não está ligado a negociações", afirma.
"A retirada de Gaza é importante por si só, mas, pelo fato de não ser ligada a uma negociação, não resolve o conflito nem necessariamente contribui para uma resolução", afirma. "Mesmo se houver mais passos unilaterais na Cisjordânia, em última análise será necessário um acordo", pondera. "Não haverá solução enquanto não houver negociação. É fundamental que desse ponto partamos para um acordo negociado."

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