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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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ELEIÇÃO

Democrata discursa como esquerdista, mas defende posições de centro

Paradoxal, Dean surge como favorito para desafiar Bush

RUPERT CORNWELL
DO "INDEPENDENT"

Embora as primárias que decidirão quem será o candidato do Partido Democrata nas eleição presidencial americana de 2004 nem sequer tenham começado, o ex-governador de Vermont Howard Dean lidera com folga as "primárias invisíveis" das pesquisas de opinião, arrecadação de fundos e exposição na mídia.
A história mostra que, quase sempre, o candidato que está na frente em doações e popularidade nesse estágio da disputa vai chegar ao final conquistando a candidatura do partido.
O surpreendente apoio dado pelo ex-vice-presidente Al Gore (1993-2001) na semana passada talvez não sirva para mudar a opinião de muitos eleitores, mas é uma sólida prova de que Dean pelo menos já colocou um pé dentro do establishment bastante cauteloso do Partido Democrata. Mas há um pequeno problema.
Quem exatamente é Howard Dean? Os seus rivais exibem vastos currículos -larga experiência em política internacional, comprovada eficiência como parlamentar, carreira brilhante nas Forças Armadas. Dean, no entanto, é um homem sem biografia.
Sim, sabemos que, por dez anos, foi governador do pequeno Estado de Vermont, onde teve sucesso equilibrando o orçamento e garantindo seguridade social para virtualmente todos os moradores do Estado. Também sabemos que ele é um médico.
Mas Dean também é um paradoxo. O insurgente que incendeia platéias com suas tiradas contra as iniquidades da administração Bush é ao mesmo tempo, pelo seu passado, o desafiante democrata que mais lembra o presidente George W. Bush.
Ele nasceu em Nova York e tem um pai que foi um figurão em Wall Street. Como George, estudou em Yale. Os dois têm famílias wasp (acrônimo inglês para protestante branco anglo-saxão) da Costa Leste. A avó de Bush foi dama de honra do casamento da avó de Dean.
"Deixe-me ver se entendi direito: ele tem pais ricos, bebia demais, frequentou escolas caras e fugiu do Vietnã. Ele é a alternativa a George W. Bush? Para mim, ele é George W. Bush", disparou o apresentador de TV Jay Leno.
Mas as similaridades param aí. Por um ponto de vista, ele é o típico liberal progressista que os republicanos adoram criticar nas eleições. É o candidato que apóia casamento gay, é a favor de impostos mais elevados, defende a assistência médica estatal e espinafra a nobre missão americana no Iraque.
Em um segundo exame, no entanto, Dean se transforma no centrista clássico, um financista conservador que odeia déficits orçamentários, apoiador da pena de morte em certos casos e opositor de restrições ao porte de armas. De acordo com o seu site, ele é um "moderado de bom senso". "É patético que eu seja considerado um esquerdista. Isso apenas mostra o quanto este país se moveu à direita", afirma Dean.

Sonho antigo
Não é um fato muito conhecido que Dean pensou em se lançar candidato já em 2000 e teve de ser dissuadido pelo próprio Al Gore. Ao observar a rígida e superplanejada campanha de Gore, Dean instantaneamente percebeu o desastre que vinha pela frente.
Não por acaso, a campanha atual de Dean é o exato oposto. John Kerry seguiu a trilha de Gore, cercando-se com um exército de assessores que dão palpites sobre cada movimento seu. O resultado? Uma liderança de Dean com 30 pontos percentuais de folga nas primárias de New Hampshire e uma campanha de Kerry à beira do abismo.
A Casa Branca está começando a trabalhar com a suposição de que Dean será o candidato democrata. O temido "departamento de pesquisa sobre a oposição" do Comitê Republicano Nacional vai entrar em campo, colhendo cada frase dúbia de Dean e vasculhando sua administração em Vermont e suas ações posteriores em busca dos menores escorregões e contradições.
Se vencer as primárias, Dean vai retomar uma posição mais centrista -o que não será difícil, com suas opiniões sobre armas e orçamentos balanceados. Ele também não defende uma saída imediata do Iraque. Mas algumas frases impensadas podem voltar para assombrá-lo: a sua insinuação de que Bush pudesse ter ignorado avisos específicos dos sauditas antes do 11 de Setembro, a fala de que "não deveríamos tomar partido no Oriente Médio" e a promessa de aumentar impostos através do cancelamento dos cortes feitos por Bush.
Os democratas rezam para que Dean seja um novo Jimmy Carter, um desconhecido governador que conquistou uma vitória surpreendente em 1976. Porém sobre o partido ronda também o espectro da campanha de 1972 de George McGovern.
"A campanha de Dean me lembra bastante coisas que fizemos 30 anos atrás", disse há poucos dias o ex-senador de Dakota do Sul. Os democratas tremem ao ouvir isso. McGovern centrou sua campanha na oposição a uma guerra (Vietnã) que era mais impopular do que a atual do Iraque. Mas ele caiu na armadilha esquerdista e foi aniquilado nas urnas por Richard Nixon.


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