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São Paulo, domingo, 14 de dezembro de 2003

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UMA VISÃO ÁRABE

Cidadão repudia, mas é tolerante com terror

DA REPORTAGEM LOCAL

Leia os principais trechos da entrevista da professora Hayat Alvi, da Universidade Americana do Cairo. (JBN)  

Folha - De que forma congressos de professores universitários árabes têm abordado o antiarabismo derivado do 11 de Setembro?
Hayat Alvi -
Meu departamento, o de ciência política, promoveu um painel em 2001, em que abordamos os efeitos do atentado nas relações entre os países árabes e os EUA. Também participei de um outro painel sobre os americanos de origem árabe e as medidas discriminatórias adotadas pelo governo de Washington contra essa minoria, como a detenção arbitrária de passageiros retirados sem justificativa de seus aviões, interrogatório sem a presença de um advogado ou fichamento arbitrário de descendentes árabes.
Mas os maiores debates acadêmicos ocorrem nas universidades dos EUA. Estamos sob risco parecido com o do macarthismo.

Folha - A seu ver o extremismo islâmico está crescendo no Egito?
Alvi -
O 11 de Setembro foi um pretexto para que regimes do Oriente Médio "dessem um jeito" em seus próprios extremistas. No Egito muita gente foi presa e, segundo entidades de direitos humanos, abusos tremendos foram cometidos. Houve casos de tortura de suspeitos e mortes. O cidadão egípcio médio tem uma reação crítica à política dos EUA para nossa região. Mas isso não se traduz por atos de hostilidade. O presidente Mubarak foi duro, temendo a repetição do atentado de 1997, contra turistas, e que afetaram a economia em razão da importância do peso do turismo.

Folha - Mas haveria um ressurgimento religioso forte?
Alvi -
Esse ressurgimento existe. Para uma sociedade que se dizia laica desde meados dos anos 1950, é digna de nota a quantidade de mulheres cobrindo a cabeça com véus hoje, ou homens em trens ou vagões de metrô ouvindo em rádios e gravadores pregações e trechos do Alcorão [livro sagrado do islamismo]. Ou seja, há uma crescente consciência da identidade religiosa na sociedade egípcia.

Folha - Como um egípcio reage ao terrorismo na Arábia Saudita?
Alvi -
Meus alunos se escandalizaram com atentados contra locais santos islâmicos. A dinastia saudita não é vista por aqui com bons olhos. Ela tem a reputação, sobretudo nos países árabes mais pobres, de hipócrita e imoral. Mas tem conseguido relativo sucesso com o marketing de que é competente na custódia de Meca e Medina e, por isso, sua legitimidade não é posta em dúvida. O cidadão egípcio médio sente repulsa pelo terrorismo. Mas tende a ser compreensivo com extremismos em razão da ação americana no Iraque e do apoio dos EUA a Israel.

Folha - Para muitos, no Ocidente, redes de TV árabes como a Al Jazira estão unificando sentimentos políticos hostis no mundo árabe.
Alvi -
Não supervalorizemos a Al Jazira. A mídia árabe e muçulmana como um todo se tornou mais eficiente depois da internet. As TVs egípcias diariamente saturam a telinha com cenas sobre a opressão israelense e sobre a violência indiscriminada contra palestinos. Isso muitas vezes é enfatizado para desviar a atenção de problemas domésticos agudos.
Mas não há qualquer novidade na questão. É claro que a Al Jazira, baseada em Qatar, tem impacto pelos efeitos visuais e comentários apimentados em seu noticiário. Lembremos, no entanto, que grande parte dos árabes não tem dinheiro para assinar a Al Jazira ou mesmo comprar um aparelho de TV. As informações mesmo assim circulam, nos cafés, nas escolas, nas famílias. As críticas à ocupação israelense na Cisjordânia e à ocupação do Iraque pelos EUA são consensuais. Mas essa "opinião pública" tem pouco poder de intervenção, sobretudo se estão sob governos autoritários.


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