São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

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Otan nos preocupa, diz chanceler russo

Serguei Lavrov chega a Brasília para negociar acordo de cooperação tecnológica, embargo à carne brasileira e venda de armas

Em entrevista por escrito, ministro nega uso de energia como arma e não comenta assassinato de opositores do Kremlin

IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA


O temor de que a Rússia use seu potencial energético como arma geopolítica é injustificado, e o que causa real preocupação na relação do país com a Europa é a expansão da Otan, a aliança militar ocidental, ao leste, seguindo os passos da União Européia.
A opinião é do chanceler russo, Serguei Lavrov. "Manifestamo-nos contra a criação de novas linhas divisórias na Europa", disse Lavrov, que se encontra hoje com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e outras autoridades em Brasília. Desde o fim da Guerra Fria, a Otan integrou 10 antigos satélites comunistas -7 deles em 2004. A União Européia incluirá dois ex-comunistas, Romênia e Bulgária, em 2007. Lavrov não respondeu à pergunta sobre as suspeitas que recaem sobre o Kremlin no assassinato da jornalista Anna Politkovskaya e no envenenamento radiativo do ex-espião Alexander Litvinenko.
O objetivo oficial da visita é a assinatura de um acordo de cooperação tecnológica. Mas na pauta das conversas estarão também a área energética e, embora ninguém confirme oficialmente, compras militares. A Rússia quer entrar no mercado de defesa nacional, assim como fez na Venezuela, e a Aeronáutica negocia secretamente a compra de 30 helicópteros de ataque e transporte de Moscou.
A negociação empolga setores do Ministério do Desenvolvimento, que querem ver o comércio bilateral de cerca de US$ 3,5 bilhões ampliado, em especial no mercado de carne bovina e suína -a Rússia mantém veto à compra de animais vivos de regiões onde foram localizados focos de febre aftosa. Sobre o embargo da carne, Lavrov disse que ele é "temporário" -na segunda, foi levantado para alguns produtos.

 

FOLHA - Qual é o principal objetivo da sua visita ao Brasil?
SERGEI LAVROV
- Consideramos o Brasil como o parceiro importante e seguro da Rússia na América do Sul. Os nossos países unem-se pela coincidência ou proximidade das atitudes diante da maioria dos problemas internacionais atuais. Nos últimos anos conseguimos melhorar o comércio bilateral -o volume superou US$ 3 bilhões em 2005. Mas isso não é um limite. Triplicá-lo é realístico. Acho que agora já podemos constatar o espírito e os princípios da parceria estratégica. Essa é dirigida à formação da aliança tecnológica entre os nossos países. E isso não é só o vôo do primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes. Estamos elaborando outros projetos. Temos perspectivas de interação na área energética. As empresas e especialistas russos estão dispostos a participar no desenvolvimento da área de petróleo e gás e energia elétrica do Brasil.

FOLHA - Na recente cúpula entre a Rússia e a União Européia, Putin disse que a Europa não deve temer as aspirações russas. Por que há desconfiança de alguns países no que se refere às intenções de Moscou?
LAVROV
- O presidente teve em vista, antes de mais nada, as preocupações, artificialmente estimuladas em alguns países da UE, sobre a dependência do nosso país na esfera energética.
Este tema não é novo, e a argumentação é bem duvidosa. Na cúpula, Putin assinalou que na verdade se trata da dependência mútua positiva, sendo que a Rússia depende da UE até mais do que a UE da Rússia, tomando em conta o fato de que 70% dos nossos fornecimentos energéticos se destinam para a UE, que depende de nós nessa área só em 40%.
A Rússia se tornou uma parte inerente da economia mundial. Aqueles que falam das armas econômicas ou energéticas das quais, diz-se, a Rússia dispõe, queriam fazer retroceder para o passado as relações com o nosso país. É natural, pois não somos só parceiros, mas também concorrentes.

FOLHA - No início dos anos 90, Moscou considerava inaceitável a expansão a leste da Otan e da União Européia. Hoje, a expansão é uma realidade. Qual é a atual posição?
LAVROV
- Não nos preocupa a expansão da UE. O principal é que neste processo não sofreram os laços econômicos e humanitários de mútua vantagem, estabelecidos há dezenas de anos, entre os países que aderem e a Rússia.
A expansão da Otan já é outra coisa. Nós admitimos o direito dos Estados soberanos de escolherem os meios e caminhos de garantir a sua segurança. Ao mesmo tempo, nós estamos convencidos de que a expansão da aliança para o leste por inércia não tem fundamento bem argumentado e não contribui para a segurança nem dos Estados que entram na Otan, nem da própria organização, nem, com certeza, da Rússia.
Tal expansão não ajuda a reagir com mais eficiência às ameaças reais e não imaginadas -terrorismo, proliferação das armas de destruição em massa, tráfico ilícito de drogas, crime organizado. A última onda da expansão foi acompanhada por medidas não justificadas, ao nosso ver, de fortalecimento do potencial militar da aliança, de modernização ou aproximação da infra-estrutura da Otan às nossas fronteiras. Além disso, apesar de todas as conversas sobre a transformação da Otan, esse bloco ainda mantém a defesa coletiva dos países membros como o seu objetivo principal. A pergunta é: a defesa contra quem? Tais atitudes naturalmente provocaram preocupações no nosso país. Manifestamo-nos contra a criação de novas linhas divisórias na Europa.

FOLHA - Qual sua avaliação do desempenho dos EUA no Iraque?
LAVROV
- Acreditamos que a guerra no Iraque foi um erro. Após a queda do regime então existente, autoridades de ocupação e políticos iraquianos cometeram novas falhas. Como o resultado temos lá no Iraque uma guerra de terrorismo e de sabotagem de grande escala. Ao mesmo tempo temos a certeza de que o Iraque é o nosso problema comum, que devemos resolver com esforços de todas as partes envolvidas.


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