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Otan nos preocupa, diz chanceler russo
Serguei Lavrov chega a Brasília para negociar acordo de cooperação tecnológica, embargo à carne brasileira e venda de armas
Em entrevista por escrito, ministro nega uso de energia como arma e não comenta assassinato de opositores do Kremlin
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O temor de que a Rússia use
seu potencial energético como
arma geopolítica é injustificado, e o que causa real preocupação na relação do país com a
Europa é a expansão da Otan, a
aliança militar ocidental, ao
leste, seguindo os passos da
União Européia.
A opinião é do chanceler russo, Serguei Lavrov. "Manifestamo-nos contra a criação de novas linhas divisórias na Europa", disse Lavrov, que se encontra hoje com o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e outras autoridades em Brasília.
Desde o fim da Guerra Fria, a
Otan integrou 10 antigos satélites comunistas -7 deles em
2004. A União Européia incluirá dois ex-comunistas, Romênia e Bulgária, em 2007.
Lavrov não respondeu à pergunta sobre as suspeitas que recaem sobre o Kremlin no assassinato da jornalista Anna Politkovskaya e no envenenamento
radiativo do ex-espião Alexander Litvinenko.
O objetivo oficial da visita é a
assinatura de um acordo de
cooperação tecnológica. Mas
na pauta das conversas estarão
também a área energética e,
embora ninguém confirme oficialmente, compras militares.
A Rússia quer entrar no mercado de defesa nacional, assim como fez na Venezuela, e a Aeronáutica negocia secretamente a
compra de 30 helicópteros de
ataque e transporte de Moscou.
A negociação empolga setores do Ministério do Desenvolvimento, que querem ver o comércio bilateral de cerca de
US$ 3,5 bilhões ampliado, em
especial no mercado de carne
bovina e suína -a Rússia mantém veto à compra de animais
vivos de regiões onde foram localizados focos de febre aftosa.
Sobre o embargo da carne,
Lavrov disse que ele é "temporário" -na segunda, foi levantado para alguns produtos.
FOLHA - Qual é o principal objetivo
da sua visita ao Brasil?
SERGEI LAVROV - Consideramos
o Brasil como o parceiro importante e seguro da Rússia na
América do Sul. Os nossos países unem-se pela coincidência
ou proximidade das atitudes
diante da maioria dos problemas internacionais atuais. Nos
últimos anos conseguimos melhorar o comércio bilateral -o
volume superou US$ 3 bilhões
em 2005. Mas isso não é um limite. Triplicá-lo é realístico.
Acho que agora já podemos
constatar o espírito e os princípios da parceria estratégica. Essa é dirigida à formação da
aliança tecnológica entre os
nossos países. E isso não é só o
vôo do primeiro astronauta
brasileiro, Marcos Pontes. Estamos elaborando outros projetos. Temos perspectivas de
interação na área energética.
As empresas e especialistas
russos estão dispostos a participar no desenvolvimento da
área de petróleo e gás e energia
elétrica do Brasil.
FOLHA - Na recente cúpula entre a
Rússia e a União Européia, Putin disse que a Europa não deve temer as
aspirações russas. Por que há desconfiança de alguns países no que se
refere às intenções de Moscou?
LAVROV - O presidente teve em
vista, antes de mais nada, as
preocupações, artificialmente
estimuladas em alguns países
da UE, sobre a dependência do
nosso país na esfera energética.
Este tema não é novo, e a argumentação é bem duvidosa. Na
cúpula, Putin assinalou que na
verdade se trata da dependência mútua positiva, sendo que a
Rússia depende da UE até mais
do que a UE da Rússia, tomando em conta o fato de que 70%
dos nossos fornecimentos
energéticos se destinam para a
UE, que depende de nós nessa
área só em 40%.
A Rússia se tornou uma parte
inerente da economia mundial.
Aqueles que falam das armas
econômicas ou energéticas das
quais, diz-se, a Rússia dispõe,
queriam fazer retroceder para
o passado as relações com o
nosso país. É natural, pois não
somos só parceiros, mas também concorrentes.
FOLHA - No início dos anos 90,
Moscou considerava inaceitável a
expansão a leste da Otan e da União
Européia. Hoje, a expansão é uma
realidade. Qual é a atual posição?
LAVROV - Não nos preocupa a
expansão da UE. O principal é
que neste processo não sofreram os laços econômicos e humanitários de mútua vantagem, estabelecidos há dezenas
de anos, entre os países que
aderem e a Rússia.
A expansão da Otan já é outra
coisa. Nós admitimos o direito
dos Estados soberanos de escolherem os meios e caminhos de
garantir a sua segurança. Ao
mesmo tempo, nós estamos
convencidos de que a expansão
da aliança para o leste por inércia não tem fundamento bem
argumentado e não contribui
para a segurança nem dos Estados que entram na Otan, nem
da própria organização, nem,
com certeza, da Rússia.
Tal expansão não ajuda a reagir com mais eficiência às
ameaças reais e não imaginadas
-terrorismo, proliferação das
armas de destruição em massa,
tráfico ilícito de drogas, crime
organizado. A última onda da
expansão foi acompanhada por
medidas não justificadas, ao
nosso ver, de fortalecimento do
potencial militar da aliança, de
modernização ou aproximação
da infra-estrutura da Otan às
nossas fronteiras. Além disso,
apesar de todas as conversas
sobre a transformação da Otan,
esse bloco ainda mantém a defesa coletiva dos países membros como o seu objetivo principal. A pergunta é: a defesa
contra quem? Tais atitudes naturalmente provocaram preocupações no nosso país.
Manifestamo-nos contra a
criação de novas linhas divisórias na Europa.
FOLHA - Qual sua avaliação do desempenho dos EUA no Iraque?
LAVROV - Acreditamos que a
guerra no Iraque foi um erro.
Após a queda do regime então
existente, autoridades de ocupação e políticos iraquianos cometeram novas falhas. Como o
resultado temos lá no Iraque
uma guerra de terrorismo e de
sabotagem de grande escala. Ao
mesmo tempo temos a certeza
de que o Iraque é o nosso problema comum, que devemos
resolver com esforços de todas
as partes envolvidas.
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