São Paulo, quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

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Cidade chinesa retoma humilhação pública

Medida tomada em Shenzhen faz parte de campanha regional para coibir a prostituição e evoca a Revolução Cultural

Ato de execração pública provoca onda de críticas e de protestos na internet; cidade é um dos motores do crescimento econômico

Associated Press-29.nov.2006
Polícia chinesa exibe prostitutas para serem execradas publicamente em Shenzhen, ao sul da Província de Guangdong; ato é parte de campanha antiprostituição

HOWARD W. FRENCH
DO "NEW YORK TIMES", EM XANGAI

Para quem assistiu ao fato pela televisão neste mês, a cena foi um sopro gelado vindo de 30 anos atrás: párias sociais e supostos criminosos -no caso em pauta, cerca de cem prostitutas e alguns cafetões- foram exibidos diante de uma multidão que os vaiava, tiveram seus nomes anunciados publicamente e foram levados à prisão, sem passarem por julgamento.
A exposição dessas pessoas ao opróbrio público foi planejada como o primeiro passo de uma campanha contra a prostituição lançada pelas autoridades da cidade de Shenzhen, no sul da China. Mas acabou por produzir uma reação nacional negativa: muitos se solidarizaram com as prostitutas, queixando-se da violação dos direitos humanos e expressando ultraje em fóruns on-line.
"Campanhas de retificação", semelhantes a essa, foram comuns durante a Revolução Cultural, quando a justiça popular era feita sem passar por tribunais, e os chamados inimigos da classe trabalhadora eram publicamente espancados, forçados a confessar e enviados a campos de trabalho para serem reeducados (leia texto abaixo). O fato de o incidente recente ter ocorrido em Shenzhen, local de origem das reformas econômicas chinesas e uma das cidades mais prósperas e abertas do país, intensificou o choque.
A Federação de Mulheres da China teria enviado uma carta de repúdio ao ato ao Ministério da Segurança Pública, e ao menos um advogado se manifestou publicamente em defesa das prostitutas, citando reformas legais feitas em 1988 que proibiram a punição pública: "Com o desenvolvimento da civilização e das leis humanas, esse tipo de castigo bárbaro, com seu aspecto de vingança, foi posto de lado", escreveu Yao Jianguo, de Xangai, em carta aberta ao Congresso Nacional do Povo, o Legislativo chinês.
Entretanto, embora as vozes contrárias tenham sido as mais fortes, alguns se manifestaram a favor da repressão. "Quem conhece bem Shenzhen achará que o castigo foi brando demais, pois a indústria da prostituição ganhou muita força aqui", escreveu um internauta. A exibição pública das prostitutas aconteceu depois de um canal de televisão regional e outro nacional transmitirem reportagens sobre a prostituição no distrito de Futian, onde sexo é oferecido abertamente nas ruas, casas de banho e karaokês por prostitutas e cafetões.

Debate na rede
Nos últimos anos, a internet vem servindo de barômetro da opinião pública na China, e, segundo comentaristas, refletem uma evolução real. "Durante muito tempo houve uma voz única em relação a um tema como esse", disse o crítico cultural Zhu Dake, da Universidade Tongji, em Xangai. "Mas hoje as pessoas abriram novos espaços e se mostram dispostas a derrubar a moral mais tradicional em favor de um conceito mais universal de direitos humanos. O fato de as pessoas terem saído em defesa dessas mulheres revela maturidade real."
Em vez de aderir à campanha contra a prostituição, que é ilegal mas onipresente na China, muitos comentaristas criticaram o governo por sua hipocrisia em não agir contra o submundo rico que opera o comércio sexual nem prender os clientes das prostitutas. "O fato subjacente a esse caso é que o comércio sexual surgiu concomitantemente com as reformas econômicas no país", disse Li Jian, militante dos direitos humanos em Pequim.
Ele pediu uma ação organizada em defesa das mulheres presas. "Castigar as prostitutas de maneira tão rude constitui uma maneira de o governo e a polícia evitarem assumir sua própria responsabilidade."
Tradução de CLARA ALLAIN


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