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COMENTÁRIO
Não à guerra? Diga isso a iraquianos torturados
JOHANN HARI
DO "THE INDEPENDENT"
Imagine a cena: manifestantes
tomam as ruas de Washington,
Londres, Nova York e Sydney, gritando: "Bush é cabeça oca. Parem
a guerra!"; a opinião pública dos
EUA muda; Tony Blair, abalado
pela resistência dos britânicos, desiste de apoiar a guerra; as tropas
dos EUA retornam; as bombas
americanas são cuidadosamente
guardadas. Virtualmente impossível, é isso o que quer ver a maioria dos ativistas antiguerra.
Você acredita que os iraquianos
dançariam nas ruas de Bagdá nesse dia? Você acha que os dissidentes políticos iraquianos -muitos
democratas- que apodrecem
nas câmaras de tortura de Saddam Hussein derramariam lágrimas de alegria? Pensa que os curdos, que mais de uma vez inalaram gases venenosos, ficariam felizes em ver Saddam livre para desenvolver armas químicas?
É claro que a guerra não será
travada para salvar a população
do Iraque. Quando Saddam era "o
nosso filho da mãe", permitíamos
que ele matasse, torturasse e escravizasse o quanto quisesse. A
Segunda Guerra Mundial, devemos lembrar, não foi travada para
acabar com o Holocausto e salvar
judeus, ciganos, comunistas e
gays. Winston Churchill não se
opunha à morte de pessoas que
considerava de "raça inferior". Ele
enfrentou Hitler apenas pelos interesses britânicos. Se não fosse
esse fato, todos os judeus, ciganos,
gays e dissidentes da Europa teriam acabado nas câmaras de gás.
A guerra para derrubar Saddam
Hussein será travada pelas razões
erradas, mas, quando acabar, seremos gratos por ela ter acontecido. Para ter meu apoio, uma guerra não precisa ser motivada pelos
interesses da democracia e dos direitos humanos. O que me basta é
saber que o que será construído
após a guerra garantirá os pilares
da decência.
É legítimo, entretanto, ser cético
quanto ao interesse dos EUA em
construir a democracia no Iraque.
Não é esse o país que descreve
Ariel Sharon como um "homem
de paz"? Mas não precisamos fazer abstrações sobre as estruturas
políticas que substituirão o totalitarismo de Saddam. Há um exemplo claro do que será criado.
Após a Guerra do Golfo, o norte
do Iraque -onde os curdos usavam as montanhas para se esconder de Saddam- não foi devolvido a Bagdá. Tornou-se região autônoma, protegida por militares
dos EUA e do Reino Unido.
E como está a região dez anos
depois? É governada por outro
mini-Saddam, um boneco pró-americano? Não. É uma democracia em formação. Elegeu livremente seus próprios governantes.
Há liberdade de discurso e de imprensa. É regida pelas letras da lei,
aplicadas por juízes e juízas.
Se não fosse pela força militar
dos EUA, esse corpo democrático
não teria existido nos últimos dez
anos. Sem a força militar dos
EUA, isso não se estenderá por todo o Iraque. Será que a esquerda
realmente esqueceu o princípio
fundamental de que vale a pena
lutar para libertar 23 milhões de
pessoas da tirania e ajudá-las a
construir a democracia?
Impedimento moral
Algumas pessoas argumentam
que os EUA são moralmente impedidos por sua política externa
muitas vezes tirânica de agir no
Iraque. Um chileno, palestino ou
vietnamita rirá cinicamente da
idéia de os EUA serem os libertadores dos oprimidos. Os norte-iraquianos não pensam assim.
Obviamente, os EUA são impedidos moralmente. Gostaria que
houvesse um Estado puro e perfeito, sem interesses em petróleo e
com força militar para ajudar a
população iraquiana. Mas não há.
Lembre-se: nos anos 30, esquerdistas britânicos argumentaram
que o Reino Unido estava moralmente comprometido, devido à
lamentável ocupação da Índia, e
que as razões para entrar na guerra não eram as mais puras. São
pontos importantes, mas, se a opinião deles tivesse prevalecido, teríamos perdido tempo debatendo
essa imoralidade enquanto judeus queimariam. Não podemos
repetir o erro de desviar o olhar
daqueles que vivem na prisão
aberta do Iraque de Saddam.
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