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São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2003

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ELEIÇÕES NA ARGENTINA

Ex-presidente deve tentar disputar eleições em La Rioja, sua terra natal, para obter imunidade em processos

Renúncia faz Menem ser visto como covarde

Carlos Barria/Reuters
O ex-presidente Carlos Menem beija as mãos de simpatizantes após desembarcar em La Rioja


GUSTAVO CHACRA
DA REDAÇÃO

Corrupto, carismático, vencedor, sedutor. Esses eram os adjetivos associados a Carlos Menem, 72, até a sua desistência nas eleições presidenciais. Após a renúncia, o adjetivo "covarde" era atribuído ao ex-presidente nas declarações sobre sua desistência.
E uma pessoa covarde é algo que os argentinos não costumam tolerar. Em geral, covardes como o ex-presidente Fernando de la Rúa (1999-2001) e seu vice Carlos "Chacho" Álvarez, que renunciaram a seus cargos, são colocados no ostracismo.
Como muitas vezes a última impressão é a que fica, pessoas que conheceram a vida política e até mesmo privada de Menem dizem que provavelmente o futuro do ex-presidente venha a ficar associado à desistência nas eleições. Desta vez, afirma Silvina Wargen, biógrafa dos anos menemistas, "a população ficou furiosa, não consegue mais aceitar a imoralidade e a impunidade" de Menem e de seu círculo.
O sonho de voltar à Presidência da Argentina, quase três anos e meio após entregá-la a Fernando de la Rúa, acabou, na avaliação de Oscar Raúl Cardozo, analista político e colunista do diário "Clarín".
"Será muito difícil que os argentinos aceitem a sua renúncia", disse. Para Cardozo, Menem tentou até o fim lutar contra o presidente e também peronista Eduardo Duhalde (mentor de Néstor Kirchner) pelo poder argentino. Mas no final "se acovardou e agora é um derrotado político".
Ricardo Rouvier, também analista político, acredita que Menem deverá disputar eleições para o Senado ou o governo na sua Província natal, La Rioja, ainda neste ano. A possibilidade de vitória eleitoral de Menem na sua Província é elevada. No primeiro-turno das eleições presidenciais, o ex-presidente obteve 81,27% dos votos em La Rioja, que já foi governada por ele três vezes.
Assumindo o cargo, o ex-presidente passaria a ter foro privilegiado. Assim, Menem poderia ficar imune aos inúmeros processos que enfrenta. O ex-presidente chegou a permanecer mais de cinco meses em prisão domiciliar por tráfico de armas em 2001. Com a vitória de Kirchner, Duhalde pode querer se vingar de Menem e dos menemistas, tentando fazer com que a Justiça os puna.
Politicamente, no entanto, Menem deve continuar atuando. Um de seus objetivos pode ser desestabilizar o governo de Kirchner, "buscando criar o caos". Assim, para Wargen, que escreveu o livro "Pizza con Champán; Crónica de la Fiesta Menemista", Menem sonha em voltar como mártir à Casa Rosada. "Mas Kirchner não será um De la Rúa", afirma.
Para Wargen, "será muito difícil Menem tolerar essa derrota. Foi como tirar o brinquedo de um garoto mimado". Porém a escritora afirma que, analisando o passado, "essa renúncia não significa que ele ficará de fora, sem tentar voltar. O difícil será conseguir".
"O menemismo, com suas mulheres deslumbradas, seus homens processados pela Justiça, suas viagens para Miami, tudo isso chegou ao fim" diz a escritora.
Por enquanto, Menem deve sair de cena, indo para Anillaco (La Rioja), onde nasceu em 2 de julho de 1930, após ver "morrer" seu sonho de tentar regressar ao poder em Buenos Aires.
Uma repetição cômica da tentativa de regresso de outro grande riojano: o caudilho Facundo Quiroga. No século 19, Quiroga acabou morto, apesar das advertências de seus aliados do risco que corria ao tentar ir combater o poder central em Buenos Aires.
Porém, ao contrário de Quiroga, que morreu lutando, Menem desistiu. Agora deve ser lembrado não só como o homem que acabou com a inflação e desestatizou o país mas também como corrupto e covarde. Dificilmente se refugiará em uma chácara, como De la Rúa, ou em praias brasileiras, como Chacho. "Menem foi maior do que eles", diz Wargen.


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