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Anistia é tema controverso no Brasil
MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO
É tentador, para a geração que
ora respira o ar fresco da democracia, imaginar que a decisão argentina de enterrar as leis de anistia talvez pudesse ser imitada no
Brasil. Mas nada é tão fácil assim,
sobretudo quando se trata de um
passado cuja tinta nos livros de
história ainda nem secou.
"Não é o caso do Brasil", argumenta o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira, autor de
"Brasil, Argentina e Estados Unidos". Ele afirma que a anistia serve ao Brasil como forma de pacificação e que revogá-la "seria uma
provocação".
Para Marco Antonio Villa, porém, o eventual julgamento de repressores brasileiros não desestabilizaria o Estado democrático. O
historiador da Universidade Federal de São Carlos, autor de "Jango, um Perfil" (ed. Globo), considera que a anistia segue intocada
por causa do "conservadorismo
dos presidentes brasileiros".
A Lei de Anistia brasileira, de
1979, anulou a punição imposta
àqueles que combateram o governo militar e, ao mesmo tempo,
impossibilitou a condenação dos
agentes do Estado que torturaram
e mataram os inimigos do regime
sob sua custódia.
Esse aspecto recíproco da lei é o
argumento principal para a sua
manutenção, pois serve à "reconciliação nacional". Mas há quem
considere que a decisão argentina
possa, de fato, inspirar uma mudança de atitude no Brasil.
"Esse assunto deve ser acompanhado com atenção pela sociedade brasileira", afirma Carlos Fico,
autor de "Além do Golpe: Versões
e Controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar" (ed. Record).
"Nossa Lei de Anistia perdoou os
responsáveis pela repressão, mas
me parece certo que ela será questionada quando alguém encontrar provas que incriminem pessoas, militares ou não."
Fico faz a ressalva de que a ditadura argentina foi muito mais
agressiva, no que diz respeito ao
número de mortes, do que a brasileira, mas diz que essa "contabilidade macabra" não pode "encobrir a responsabilidade dos brasileiros que cometeram assassinatos políticos ou torturas".
A diferença entre os dois regimes, porém, faz Moniz Bandeira
argumentar que o tema não pode
receber o mesmo tratamento nos
dois países. Ele afirma que o caso
argentino foi "muito mais radical" e que há no vizinho o que ele
chama de "tradição de ódio", cuja
materialização é exatamente o
confronto permanente.
Para o historiador Antonio Rago Filho, da PUC-SP, esse argumento não tem validade, uma vez
que "os crimes cometidos são, independentemente dos espaços
nacionais onde foram praticados,
crimes de lesa-humanidade".
Rago acredita que, no caso específico do Brasil, o tratamento dado ao tema revela que "a impunidade é a nossa marca registrada":
"Reconhece-se que houve abusos;
no entanto, extinta a máquina,
desaparecem com ela os agentes
da repressão".
Segundo Rago, a "reconciliação" ofertada pela anistia está no
âmbito da "transição pelo alto",
tradicional no país, e cujo resultado é o esquecimento histórico. Na
mesma linha, Villa considera que
a Argentina esteja celebrando a
história em lugar de apagá-la. Já
Moniz Bandeira, ex-preso político da ditadura militar brasileira,
acha que o esqueleto deve permanecer no armário: "Temos de acabar com esses ódios do passado".
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