São Paulo, sábado, 15 de julho de 2006

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Divisão libanesa é evidenciada pelo conflito

GUSTAVO CHACRA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

Mais uma vez os dois Líbanos que convivem em um mesmo país entram em choque. Desta vez, a divisão ocorre após o seqüestro dos soldados israelenses pelo grupo extremista Hizbollah e os conseqüentes ataques de Israel que destruíram parte da infra-estrutura do país, deixando dezenas de mortos.
O primeiro Líbano é o que hoje defende o Hizbollah, que concorda com o grupo possuir armas. A maior parte deste primeiro Líbano é religiosa e composta por muçulmanos xiitas e pelas camadas mais baixas dos muçulmanos sunitas.
O segundo Líbano é cristão, ocidentalizado, possuindo uma orientação cultural franco-mediterrânea. Estudam em escolas francesas, vão a universidades americanas em Beirute e aproveitam o verão nas praias e boates da capital libanesa. A maior parte desses libaneses é cristã-maronita, mas também há os cristãos-armênios, os ortodoxos, os cristãos-melquitas e a elite sunita de Beirute.
Na época da independência, esse segundo Líbano foi o vencedor. O país ficou com um aspecto diferente do restante dos países árabes, com imprensa livre, eleições relativamente democráticas e, acima de tudo, um comércio próspero que ajudou a desenvolver a economia.
Mas o país era controlado pelos cristãos. Os muçulmanos possuíam menos poder. O presidente, sempre maronita, exercia um poder bem maior que o premiê (sunita).

Guerra civil
Essa tensão acabou por culminar em dois conflitos: o primeiro, em 1958, que terminou após intervenção americana, e o segundo, a guerra civil de 1975 a 1990. A chegada da OLP, no fim dos anos 60 e começo dos 70, controlada por muçulmanos sunitas, acabou levando à inevitável guerra civil, que envolveu ao longo de 15 anos os diversos grupos.
O conflito apenas foi encerrado após os Acordos de Taif, no fim de 1989, quando foi estabelecida uma nova divisão do poder. O premiê sempre sunita passou a ter poder maior, quase se equiparando ao do presidente.
O acordo também previa que tropas sírias permaneceriam no Líbano para ajudar a manter a ordem. O sul do país continuava ocupado por Israel, e o Hizbollah xiita foi autorizado a carregar armas para defender a região.
Claramente, o Líbano árabe saía vencedor. Após a saída de Israel do sul do Líbano, ficou ainda mais forte, pois o Hizbollah foi visto como o responsável pela retirada.
A Revolução dos Cedros no ano passado foi, por outro lado, um golpe no Líbano árabe, pois culminou na retirada das tropas sírias. O Líbano ocidental tentava, mais uma vez, se reerguer, porém o outro Líbano continuava forte, especialmente por causa do Hizbollah.

Integração
A tática do governo eleito do premiê Fuad Siniora, após a revolução, era tentar integrar o Hizbollah a esse Líbano mais preocupado com o território do país do que com outros problemas árabes. Parecia que a organização xiita estava disposta a mudar, como fica claro na presença de bandeiras libanesas nos discursos dos líderes do Hizbollah, o que não ocorria antes.
Mas a mais recente ação demonstrou que o grupo não estava tão disposto a se integrar, pois era óbvia a reação de Israel, e os líderes da organização sabiam disso.
Parte da população libanesa culpa o grupo xiita pelos enormes estragos econômicos que o ataque israelense provocou no país, que demorara anos para se levantar. É o Líbano ocidental reclamando. Porém, a outra parte acha que o Hizbollah está correto e que o país tem de se solidarizar com a causa palestina. É o Líbano árabe.
Em comum, só as críticas à resposta israelense, considerada desproporcional mesmo pelos mais radicais membros do Líbano ocidental.


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