São Paulo, quinta-feira, 15 de agosto de 2002

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VENEZUELA

Mandatário é fator de desunião, diz dirigente da Fedecámaras, entidade cujo ex-presidente liderou golpe de abril

Empresários pedem renúncia de Chávez

ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO

A Fedecámaras, principal entidade empresarial da Venezuela, voltará a pedir a renúncia do presidente Hugo Chávez e analisa a possibilidade de organizar, com trabalhadores, uma nova greve geral no país contra o governo.
"Há elementos que justificam uma greve geral. O país está convulsionado", disse à Folha o empresário Carlos Fernández, 52, presidente da entidade.
Em 11 de abril, uma greve geral e manifestação convocadas pela Fedecámaras e pela CTV (Confederação dos Trabalhadores da Venezuela) provocaram confrontos com 17 mortes e levaram ao golpe que tirou Chávez do poder por dois dias. O então presidente da Fedecámaras, Pedro Carmona, hoje exilado na Colômbia, assumiu a Presidência no período.
Para Fernández, a situação hoje é pior que a de abril. Ele não descarta a ocorrência de novos episódios de violência. "A situação é extremamente delicada e pode gerar qualquer tipo de desenlace", disse o líder, por telefone, de Caracas.

Folha - Membros da oposição acusam Chávez de armar um plano para suspender a Justiça. O sr. acha que existe esse perigo?
Carlos Fernández -
O presidente da República disse agora há pouco que se o juiz quer ficar tem de ter elementos para ficar. Há um pedido feito por alguns deputados do MVR [Movimento Quinta República, partido de Chávez" para criar uma Constituinte para desconhecer os Poderes públicos, entre eles o Supremo Tribunal, para evitar que a corte tomasse sua decisão no dia de hoje [ontem". Também queriam tomar a Polícia Metropolitana [controlada pelo prefeito de Caracas, Alfredo Peña, adversário de Chávez", mas parece que já se debelou esse propósito.
Aparentemente, há um plano de criar uma espécie de autogolpe, um estado de exceção, com o argumento da violência provocada pelos próprios simpatizantes do governo. Há duas semanas que os chavistas vêm praticando atos de violência e provocando a oposição para que ela cometa erros e vá a um enfrentamento. Mas a oposição não está jogando esse papel que o governo espera, não vai cair nessa armadilha. O governo quer os enfrentamentos para justificar um estado de exceção que lhe daria liberdade para desfazer todas as situações que não lhe favorecem.

- Chávez acusou os juízes da corte de corrupção...
Fernández -
Mas não apresentou provas. Se tem provas e não apresenta, se transforma em cúmplice.

Folha - A Fedecámaras prepara um protesto contra Chávez?
Fernández -
Estamos analisando a possibilidade de uma paralisação, mas não tem relação com a decisão do Supremo Tribunal. O problema é a grave situação econômica por que passa o país, que estamos analisando junto com os trabalhadores. A paralisação cívica seria para chamar a atenção para a busca de uma saída que permita encontrar caminhos diferentes para a reativação econômica.

Folha - Vocês pensam em uma manifestação conjunta com a CTV, como a de 11 de abril [que antecedeu o golpe"?
Fernández -
Isso, mas não está totalmente certo. Ainda estamos analisando alguns elementos para tomar a decisão. Mas, sem dúvida, a situação econômica é tão precária hoje, com o fechamento de empresas, perda de postos de trabalho, aumento de impostos, perda de capacidade aquisitiva. Há uma série de elementos que poderiam justificar uma greve geral. O país está convulsionado.

Folha - O sr. considera a situação hoje pior do que a do começo de abril [antes do golpe"?
Fernández -
Sem dúvida. Economicamente, está muito pior. No plano político, também, porque há uma deterioração muito forte, sobretudo pela debandada daqueles que antes estavam ao lado do governo e hoje o enfrentam. O governo cada dia se debilita mais, tem cada vez menos base política, não tem capacidade para resolver os problemas e está simplesmente baseado em um presidente da República que tem retórica capaz de chegar a certos setores da população, mas que não é capaz de compreender a maioria dos venezuelanos. Ele vai ficando sozinho. Isso pode desencadear um conflito social ou o pedido de renúncia do presidente.

Folha - Os acontecimentos de 11 de abril podem se repetir?
Fernández -
Claro. Poderia haver ainda outros acontecimentos de violência. A situação é extremamente delicada e pode gerar qualquer tipo de desenlace. O dia de hoje [ontem" é muito particular, porque de acordo com a decisão do tribunal pode haver violência na capital.

Folha - Chávez vem oferecendo possibilidade de diálogo com a oposição, que diz que a oferta não é sincera. O que o sr. acha?
Fernández -
Não há vontade de diálogo. Ele só quer estabelecer espaços nos quais o governo dá as pautas e dita as condições. É um monólogo. Não há vontade para um diálogo construtivo, no qual haja entendimentos para encontrar um caminho. O que existe agora é uma negociação para encontrar uma saída para a crise. Mas essa saída passa pela renúncia do presidente da República.

- Vocês defendem a renúncia de Chávez?
Fernández -
A renúncia é a saída menos traumática para o país. Porque, lamentavelmente, não houve capacidade para a administração dos graves problemas por que passa a Venezuela. Chávez é um fator de desunião da sociedade venezuelana, da fratura que vivemos. Para podermos recuperar a situação, soldar a fratura, é preciso que ele saia de cena.


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