UOL


São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Em Bagdá, sensação é de alívio e medo

Apesar da festa, há tensão; "todos querem saber o que acontecerá com Saddam", diz morador à Folha

DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como no dia da queda do regime de Saddam Hussein, no dia 9 de abril, também ontem a população de Bagdá se dividiu quanto às comemorações da prisão do ex-líder.
Parte foi às ruas expressar sua alegria de uma maneira muito comum no mundo árabe, particularmente no Iraque: com tiros de fuzil para o alto.
"Nesse momento, o céu da cidade está coberto de balas", disse à Folha por telefone o bagdali Ahmed Bahgid no começo da tarde. "Muita gente está andando nos carros com as janelas e portas abertas e disparando sem parar seus fuzis AK-47 para o alto."
No entanto, segundo o empreiteiro de 41 anos, pai de dois filhos, que realiza pequenos trabalhos de construção para a autoridade norte-americana no país, a maioria das pessoas continuava apreensiva, esperando por mais informações sobre a captura e o futuro do Iraque.
Informações que não vinham, por um problema frequente em Bagdá. "Assistimos à notícia da captura pela televisão, mas logo a energia acabou", disse à Folha, também por telefone, Nadyia Hassan, 30. "A cidade tem energia por apenas seis horas diárias, em média."
De acordo com a iraquiana, desempregada como boa parte da população local, a partir do anúncio oficial grupinhos foram se formando nas ruas de pessoas discutindo o que tinham conseguido ouvir durante os 60 minutos em que a TV permaneceu no ar.
"Todos querem saber o que vai acontecer com Saddam, se vão levá-lo embora ou se ele vai ser julgado aqui mesmo no Iraque", disse Hassan.

Falta de condições
Ahmed Bahgid, que mora no bairro de classe média Al Mansur, afirmou que as pessoas com quem conversou estão aliviadas com a prisão do ex-ditador iraquiano, mas se preocupam ainda mais com as condições de vida no país, principalmente no tocante a segurança e infra-estrutura.
"Antes, eu fechava meu escritório no centro às 22h, agora tenho de trancar o edifício às 20h para não ser assaltado", conta. "Você não vê mais soldados norte-americanos nas ruas, eles passam rapidamente em seus carros blindados, com medo de atentados."
Outro problema é o abastecimento. O litro de gasolina continua a preços incrivelmente baixos para os padrões ocidentais -enche-se um tanque de 80 litros com o equivalente em dinar a US$ 1-, mas há uma espera de até 24 horas nos postos de combustível.
"Nós temos de pagar pessoas para ficar nas filas dos postos para nós", disse o empreiteiro. "Quando vai chegando a nossa vez, alguém vem avisar em casa." Outra opção é o mercado negro; aí, o preço dispara, e US$ 1 passa a comprar um galão, ou 3,74 litros.

Festa na praça Al Firdos
Durante todo o dia de ontem, centenas de iraquianos faziam carreata em torno da praça Al Firdos, ao lado do Hotel Palestine, a mesma que virou símbolo da queda do regime de Saddam Hussein em 9 de abril, quando uma estátua do ditador foi derrubada depois da tomada da cidade.
Os festejos eram liderados principalmente por xiitas, que representam 60% da população bagdali e foram o braço islâmico mais perseguido pelo regime de Saddam, um sunita, da facção rival.
Aos poucos, as guias foram cobertas por cápsulas de balas vazias, enquanto homens distribuíam doces às crianças -e algumas delas balançavam pequenas bandeiras norte-americanas.
"É ele, é ele!", gritavam alguns pelas ruas. "Saddam foi capturado, morte aos baathistas", gritavam outros, referindo-se aos integrantes do partido Baath, do qual faziam parte o ex-ditador, seus ministros e seguidores.
(SÉRGIO DÁVILA)


Com agências internacionais


Texto Anterior: Sentimentos se dividem no mundo árabe após prisão de líder anti-EUA
Próximo Texto: Saddam se diz triste e não coopera, afirma revista
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.