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ANÁLISE
Presidente fez da calamidade algo ainda pior
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
Eduardo Duhalde é um homem notável. Em duas semanas como presidente, ele demonstrou por que não se pode confiar a
economia da Argentina aos seus
políticos.
Em seu breve período no poder,
Duhalde transformou um desastre com vislumbres de esperança
em um desastre que, tudo indica,
vai terminar ainda pior: em uma
depressão profunda, seguida pelo
retorno de uma inflação muito
elevada.
O julgamento talvez pareça precipitado. Duhalde, afinal, não é
responsável pelas políticas que
causaram a moratória da dívida
pública argentina e o colapso do
sistema de conversibilidade. E
tampouco é responsável pelo fracasso de seus predecessores, que
não agiram mais rápido quando
essas ameaças começaram a se
aproximar.
Mas Duhalde pode ser culpado
pela retórica populista e pelas políticas irresponsáveis que certamente tornarão a crise mais grave
do que ela precisaria ser. E já é certo que será ruim. A moratória da
dívida pública danifica o sistema
financeira, causa perdas substanciais para o público argentino e
agrava a já antiga recessão do
país, a médio e longo prazos.
Uma grande depreciação real,
por mais importante que seja para a recuperação da economia no
longo prazo, sempre agrava a situação no curto prazo.
As exportações respondem por
cerca de 10% do Produto Interno
Bruto (PIB) da Argentina. O efeito
estimulante de uma depreciação,
portanto, não basta para compensar o impacto da moratória do setor público e das falências causadas pela desvalorização.
No entanto, a gravidade desses
riscos torna essencial que o governo adote uma abordagem política
sóbria e sistemática. Que evite
medidas mal pensadas, retórica
exagerada e gestos irresponsáveis.
O governo precisa reduzir o pânico, não aumentá-lo. O que vimos
até agora foi o oposto.
O peso foi desvalorizado, numa
decisão audaciosa e compreensível. Mas o governo introduziu
uma complexa taxa dupla de
câmbio -um câmbio oficial fixo
e uma taxa extra-oficial móvel. Isso torna necessária a criação e
manutenção de controles de câmbio conducentes à corrupção. O
sistema não vai durar. Na verdade, não merece durar.
Com esse histórico e a natural
falta de confiança no peso, a moeda corre o risco de entrar em um
colapso incontrolável. Para detê-lo, o governo deveria ter introduzido uma âncora alternativa e, ao
mesmo tempo, desvalorizado a
moeda. Também teria sido fundamental adotar metas inflacionárias e criar um banco central independente. Nada disso foi feito.
Pior ainda: em um gesto populista, o governo transformou os
empréstimos de valor inferior a
US$ 100 mil em dívidas denominadas em pesos, sem reajuste. Isso traz consequências devastadoras para um sistema bancário que
um dia foi bem capitalizado. No
momento, os analistas acreditam
que a conversão desequilibrada
dos pesos pode custar ao bancos
até US$ 9 bilhões.
Para agravar ainda mais o que já
era ruim, o governo se comprometeu a manter o valor em dólar
dos depósitos. No entanto, sabe
que os bancos e os cofres públicos
não dispõem dos fundos necessários para cumprir esse compromisso. Na prática, com os saques
limitados a US$ 500 mensais em
conta corrente, as poupanças em
dólar estão congeladas. Até mesmo os saques em pesos estão limitados ao valor 1,5 mil pesos (US$
1,07 mil) mensais.
Uma vez mais, controles de preços foram impostos à infra-estrutura. Um imposto especial vai incidir sobre o setor petroleiro. Alguns ajustes nos regimes de preços vinculados ao dólar eram justificados. Mas essas medidas arbitrárias destruirão ainda mais a
confiança dos investidores de longo prazo. A Argentina parece ter
esquecido: para obter a assistência internacional de que precisa
desesperadamente, depende do
apoio dos países de onde vieram
esses investidores.
Por fim, mas não menos importante, o novo presidente recorreu
a retórica protecionista em um
país comprometido com uma
grande desvalorização. Essa desvalorização deveria beneficiar primeiro os produtores de bens e
serviços exportáveis. Protecionismo, nas atuais circunstância, é
contraproducente.
O que isso tudo representa para
a economia? O dano que o governo de Duhalde causou aos bancos, em especial, vai reduzir ainda
mais o crédito e o investimento. O
agravamento da recessão solapará as finanças públicas. Sem crédito, o governo será forçado a usar
as impressoras para colocar dinheiro no mercado, criando as
condições para o colapso da moeda argentina.
Esse é o pesadelo que aguarda o
país. Não será possível evitá-lo de
todo. Mas é preciso que haja um
esforço para reduzir sua duração
e, o mais importante, garantir
uma recuperação forte e sustentada. Os elementos para isso parecem bem claros. O governo precisa estabelecer um regime monetário confiável. As alternativas: dolarização a taxa depreciada ou a fixação de uma meta para a inflação controlada por um banco
central confiável e independente.
Dados os acontecimentos das últimas semanas, a primeira dessas
opções é muito melhor.
Independente da escolha, o governo precisa tratar a moeda em
que estão os depósitos bancários
da mesma maneira que trata os
empréstimos. Precisa também
desenvolver um plano fiscal confiável e iniciar negociações de boa
fé junto aos credores internacionais. É preciso, especialmente,
que ele reconheça a necessidade
de reduzir os regulamentos que
pesam sobre as empresas e abrir a
economia, a fim de garantir níveis
de emprego mais elevado e ganhos de produtividade.
Se o governo seguir essa rota,
precisará de ajuda externa. Antes
da moratória, o apoio do Fundo
Monetário Internacional (FMI)
ao país foi um erro. Empréstimos
do FMI seriam inúteis, também,
na falta de uma abordagem mais
séria. Mas deixar de ajudar o país,
caso ele escolha políticas que têm
chance de restaurar a prosperidade, também seria um erro. O dinheiro será desesperadamente
necessário, acima de tudo para recapitalizar o sistema bancário. O
governo precisa mudar de rumo
agora.
Tradução de Paulo Migliacci
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