São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

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"Posso ser alvo de atentado", declara Lugo

DO ENVIADO A ASSUNÇÃO

O ex-bispo Fernando Lugo, 55, é o personagem mais disputado do Paraguai no momento. Embaixadores dos países-membros do Mercosul e da União Européia pediram audiência com ele, assim como os maiores empresários e fazendeiros do país. Nas ruas "asfaltadas" com pedrinhas da pequena Lambaré, na região metropolitana de Assunção, onde mora em um sobrado simples, Lugo é adorado entre os moradores. O então bispo participou do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, de comunidades eclesiásticas de base e apoiou os sem-terra locais. Leia os principais trechos da entrevista que concedeu à Folha. (RJL)

 

FOLHA - Na sua campanha, o senhor tem falado em revisar o Tratado de Itaipu. O que precisa mudar?
LUGO
- O tratado foi assinado em 1973, quando estávamos sob uma ditadura férrea. Como é possível que o Brasil possa adquirir a energia do Paraguai a preço de custo, e não a preço de mercado? A Venezuela vende seu petróleo a preço de mercado, o Chile vende seu cobre, o gás da Bolívia. E nós vendemos a energia a preço de custo. Como disse Evo Morales a Lula, não queremos um preço solidário, queremos um preço justo.

FOLHA - Quanto o sr. acha que seria o preço justo?
LUGO
- Temos estudos técnicos feitos aqui. O Paraguai recebe em torno de US$ 250 milhões ao ano. É muito pouco. Em valores de mercado, essa cifra subiria a US$ 1,8 bilhão.

FOLHA - O preço da energia cedida ao Brasil teria que subir sete vezes?
LUGO
- É uma diferença significativa. Mas o desenvolvimento brasileiro não pode se sustentar na pobreza dos vizinhos, como diz Lula. As cláusulas do tratado não podem ser mudadas se não houver conformidade em ambos os países. Por isso, levaria nossa demanda ao Lula. O Brasil consome 98% da energia de Itaipu.

FOLHA - O Paraguai é considerado um dos países mais corruptos da região. O dinheiro de Itaipu não desenvolveu o país até agora.
LUGO
- A imagem internacional que temos é a de que toda ajuda que vem para cá cai em um saco furado. Isso faz com que não tenhamos credibilidade para negociar. Um novo governo que marque diferenças deve receber um voto de confiança dos vizinhos.

FOLHA - Há um grande debate sobre as diferenças entre as esquerdas latino-americanas. Do estatismo de Chávez, na Venezuela, às políticas pró-mercado de Lula, no Brasil, e Bachelet, no Chile. O senhor se sente mais próximo a qual modelo?
LUGO
- Não acredito que existam hoje as ideologias de esquerda puras. O modelo certamente não é Chávez, porque não temos 3 milhões de barris diários de petróleo. Também não temos as riquezas naturais do Chile para fazer um TLC (Tratado de Livre Comércio) com os EUA, nem as riquezas da Bolívia. Temos que fazer a esquerda à paraguaia, sermos realistas.

FOLHA - Não haverá estatismo?
LUGO
- Não acredito no estatismo, mas também não acredito no desaparecimento do Estado. Creio no equilíbrio, um Estado mais regulador, leis claras e justas, que o capital privado leve em conta o preço do meio ambiente, e que a dignidade das pessoas seja respeitada.

FOLHA - Como espera que seja sua relação com Lula?
LUGO
- Ele é um referente da esquerda inteligente, não é dogmático. Temos que procurar soluções para novos problemas. Ele foi sindicalista, atuou nos movimentos sociais, sinto-me próximo dele.

FOLHA - Chávez também é motivo de inspiração?
LUGO
- O exemplo de Chávez é mais distante. Ele tem uma história militar que não tenho. É claro que ele tem muita sustentação popular, mas minha formação é distinta. Venho da igreja, de uma formação humanista e cristã. Gosto de pluralismo, de respeitar as diferenças.

FOLHA - O senhor está em primeiro lugar nas pesquisas, mas muita gente diz que "os colorados não deixarão ele assumir". Há esse risco?
LUGO
- A candidatura pode ser impugnada pelo Tribunal Eleitoral e pela Corte de Justiça que temos. Podem até permitir minha candidatura, mas derrotar a vontade popular com fraudes. Talvez não impugnem, deixem-me ganhar, mas podem não entregar o mandato. O governo é hábil em criar cenários de convulsão, podem até colocar militares na rua. Depois de 60 anos no poder, o Partido Colorado tem muito a perder. E se fala de uma eliminação física. Já fui ameaçado em San Pedro. Não é impossível que aconteça algum atentado. Há esses quatro riscos.

FOLHA - O senhor renunciou à sua condição de bispo, mas o Vaticano não aceitou sua renúncia. Como é sua condição agora?
LUGO
- Teologicamente, eu sou bispo até a morte. Mas, para a lei paraguaia, eu sou um cidadão paraguaio que renunciei a meu ministério episcopal. O fato da renúncia consciente e pública me habilita. Não há barreira jurídica para ser candidato à Presidência, mas isso não depende de critério jurídico, mas de critério político, porque a Corte Suprema tem decisões políticas.

FOLHA - Se eleito, o senhor reformaria a Corte Suprema de Justiça?
LUGO
- Os ministros da Corte são reféns dos partidos políticos. Aqui os juízes são nomeados de acordo com o peso de cada partido. E os juízes recebem ordens dos partidos. A Justiça tem que ser autônoma, soberana, independente. Temos que mudar o método de escolha. Eles não podem ser filiados a nenhum partido.


NA INTERNET -Leia a íntegra da entrevista em www.folha.com.br/070468

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