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São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2003

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ANÁLISE

O princípio de realidade

THOMAS FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES"

Você já reparou quantas vezes Israel mata um ativista do Hamas que é descrito como "liderança do alto escalão do Hamas" ou "operativo-chave"? Isso me leva a pensar: quantas lideranças de alto escalão o Hamas pode ter? Não estamos falando de uma IBM, mas de um tosco grupo terrorista. A essa altura, Israel já deve ter matado duas lideranças completas do Hamas. A menos que esteja acontecendo algo mais, algo que eu chamo de matemática palestina: Israel mata um operativo do Hamas e três outros se oferecem para tomar seu lugar, caso em que a política de Israel é autodestrutiva.
Autodestrutivo é um termo útil para descrever o que ocorre entre israelenses e palestinos. "Ambos os lados", diz o cientista político israelense Yaron Ezrahi, "já cruzaram a linha em que a autodefesa se transforma em autodestruição". Agora, só uma força externa pode recolocar as pessoas em seu juízo. Essa força é o presidente Bush. Creio que ele é o único princípio de realidade que restou, e espero que ele saiba disso.
Você sabe que os dois lados estão operando de modo autodestrutivo quando olha para suas ações militares e diz que mesmo que elas dêem certo as coisas vão piorar. A questão não é discutir se Israel tem o direito de matar líderes do Hamas. Eles são caras ruins. A questão é saber se é inteligente fazê-lo. O fato é que a única vez em que os israelenses gozaram de períodos mais extensos de paz na última década foi quando os palestinos disciplinaram sua própria gente, após os acordos de Oslo. Desafortunadamente, Iasser Arafat mostrou-se incapaz de fazê-lo consistentemente. Toda a idéia do processo de paz de Bush é colocar Arafat de lado e substituí-lo pelo premiê Mahmoud Abbas [mais conhecido como Abu Mazen], que está pronto para reconstruir os serviços de segurança palestinos, e, no contexto de um arranjo de paz, encurralar o Hamas.
O Hamas sabe disso. Então provoca Israel a lançar ataques que comprometam todo o processo.


"Você sabe que os dois lados operam de modo autodestrutivo quando olha para suas ações militares e diz que, mesmo que elas dêem certo, as coisas vão piorar"


A coisa inteligente que resta a Israel -e que não é fácil quando seus civis estão sendo mortos- é não jogar o jogo do Hamas. A coisa inteligente é dizer a Abbas: "Como podemos ajudá-lo a desmantelar o Hamas?".
Os que apóiam Israel argumentam que, se os EUA podem ir atrás de Osama bin Laden, Israel pode ir atrás do Hamas. É claro que Israel tem o direito de perseguir seus inimigos, mas não pode fazê-lo irresponsavelmente, observa Ezrahi, por uma razão: a América nunca terá de viver com os filhos de Bin Laden. Eles estão longe e sempre estarão. Já Israel terá de viver com os palestinos após a guerra. Ele estão logo ali na próxima porta e sempre estarão.
O fato é que os dois anos em que Ariel Sharon usou o Exército para combater o terrorismo não deixaram os israelenses mais seguros. Sharon precisa de um sócio palestino e precisa agir e negociar de modo a criar um. Os israelenses percebem isso. Pesquisa do jornal "Yediot Ahronot" mostra que dois terços dos israelenses são críticos da tática de assassinatos seletivos de líderes do Hamas e dizem que é preciso dar a Abbas a chance de estabelecer sua autoridade.
É possível que Abbas não consiga fazê-lo. É possível que os palestinos não sejam capazes de contenção e reconciliação construtivas. Mas Israel tem mais a ganhar no longo prazo dando a Abbas as chances de provar o contrário.
Se os dois lados não escaparem do beco sem saída, então pode-se esquecer a solução dos dois Estados, que é o que querem os seguidores do Hamas e os colonos extremistas judeus. Cada um deles quer uma solução de apenas um Estado, em que o seu lado controlará Israel, Cisjordânia e Gaza inteiras. A solução de um Estado significaria o fim da empreitada sionista, porque Israel só controlaria uma entidade em que logo haveria mais árabes do que judeus através de "apartheid" ou limpeza étnica. Também significaria o fim do nacionalismo palestino, porque os israelenses esmagariam os palestinos antes de ser expulsos. É para esse desfecho que estamos caminhando, a menos que o único princípio de realidade que sobrou, os EUA, realmente intervenham -com sua influência, sua sabedoria e, se necessário, suas tropas.



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