São Paulo, sábado, 16 de outubro de 2004

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EUROPA

Com 9,2% do total de votos, o partido alemão NPD conquistou 12 lugares no Parlamento da Saxônia, em setembro

Avanço do neonazismo preocupa alemães

Norbert Millauer - 20.set.2004/France Presse
Manifestantes fazem protesto em Dresden contra resultado obtido pelo partido neonazista alemão NPD nas eleições para o Parlamento da Saxônia, em setembro


GEORGES MARION
DO "LE MONDE"

Ao conquistar 12 lugares no Parlamento da Saxônia (com 9,2% dos votos) em setembro, o partido neonazista alemão, o NPD, provocou consternação em todo o país. Peter Marx, um de seus dirigentes, não faz mistério em relação ao feito: a chegada à Saxônia dos neonazistas do Partido Nacional-Democrata da Alemanha (Nationaldemokratische Partei Deutschlands, ou NPD) foi tudo, menos improvisada.
Ela foi preparada como uma operação militar, com a definição do alvo, estudo do terreno, plano de ação, mobilização dos meios. Alguns anos mais tarde, o resultado está aí para quem quiser ver: pela primeira vez em sua história, o NPD entrou para o Parlamento Regional do Estado da Saxônia, o Landtag, em Dresden.
No dia 19 de setembro, 19.087 votos (ou seja, 9,2% do total) aprovaram 12 deputados neonazistas, provocando consternação na Alemanha e no resto da Europa. O NPD só tivera resultados semelhantes uma única vez antes, em 1969, em Baden-Wurttemberg. Depois disso o partido praticamente desapareceu do cenário político oficial, no qual acaba de reaparecer, depois de 35 anos de resultados eleitorais medíocres.

Futuro radioso
Convencidos de que a Alemanha se encontra em situação quase pré-revolucionária, os dirigentes do partido acham que, desta vez, o futuro se anuncia radioso. Líder do NPD em Sarre, onde seu partido conseguiu 4% dos votos nas eleições regionais de 5 de setembro, Peter Marx, ao lado de seu companheiro de partido Jürgen Gansel, recebe jornalistas em Riesa, a pouca distância de Dresden, na sede do jornal mensal do partido, "Deutsche Stimme" (A Voz Alemã). Há quatro anos o local também é a sede do partido. No primeiro andar do local, cerca de dez colaboradores estão ocupados, montando um jornal do qual são impressos cerca de 10 mil exemplares, a maioria dos quais destinados a assinantes.
No térreo, uma loja vende a simpatizantes os acessórios básicos dos filiados: camisetas com logotipos edificantes, livros de "história" que glorificam as unidades da Wehrmacht e das Waffen SS, que se distinguiram na 2ª Guerra Mundial, além de insígnias e CDs diversos. Como qualquer propaganda em favor do regime nazista é proibida na Alemanha, o exercício consiste em respeitar a lei, aparentemente, ao mesmo tempo em que se vai radicalmente de encontro a ela. O NPD é mestre em fazer justamente isso.
Originário de Hessen, no oeste do país, Jürgen Gansel, que mal completou 30 anos e veste sapatos pesados, jeans e camiseta pretos, integra a direção nacional do NPD e, de agora em diante, é deputado do Landtag da Saxônia.
Ele tem pelas costas uma longa carreira de militante de extrema direita, algo que começou ainda na escola e que tem sido pontuado por alguns problemas com a justiça graças, entre outras coisas, a seu hábito de às vezes esticar o braço e gritar publicamente "Heil, Hitler!".
Peter Marx é um homem mais discreto do que Gansel, sendo oito anos mais velho do que este, e costuma andar de terno e gravata. Em sinal de reconhecimento de seu talento de organizador, ele acaba de ser nomeado secretário-geral do grupo parlamentar do NPD no Landtag da Saxônia, um cargo de confiança. Jurista e assessor de marketing, Marx entrou para o NPD aos 16 anos, em Sarre, Estado do qual é originário. Ele é um homem que tem idéias. Não sem algum humor, os partidários presentes nas chamadas "manifestações de segunda-feira", organizadas contra as medidas impopulares adotadas pelo governo Schröder (batizadas de "reformas Hartz 4", o nome de seu inspirador), desfilaram em sua região atrás de um carro que ostentava o slogan "Antes Marx do que Hartz", escrito em branco sobre vermelho. Foi uma piscadela em direção aos eleitores comunistas presentes no mesmo cortejo, dos quais o NPD "emprestou" vários de seus slogans anticapitalistas.
Na Saxônia, onde Peter Marx é desconhecido e o jogo de palavras é impossível, o NPD escolheu outro símbolo saído do comunismo: um punho fechado que, como aquele da Frente Vermelha dos anos 1930, barra o caminho, não mais do fascismo, mas, desta vez, das reformas contestadas. Vários dias após a eleição, coisa impensável no oeste do país, milhares desses cartazes continuavam visíveis ao longo das estradas da Saxônia, virgens de qualquer grafitagem ou outra rasura. "É assim em nossa região", deplorou Wolkmar Wolke, militante neocomunista do PDS que acompanha de perto as atividades do NPD. "Como já não é mais proibido, o NPD se tornou legal, e, como é legal, possui o direito de se expressar. Mesmo alguns de nossos membros compartilham essa opinião. É a herança da RDA, onde eram proibidos todos os partidos menos um."

Estudo de mercado
Quatro anos atrás, depois de fazer praticamente um estudo de mercado, uma equipe do NPD vinda do oeste do país desembarcou em Riesa. "Aprendemos muito com a Frente Nacional francesa, cujos militantes já vieram várias vezes nos ajudar em Sarre", se alegra hoje Peter Marx, exibindo uma edição do "Deutsche Stimme" de 2002, anunciando triunfalmente o sucesso de Jean-Marie Le Pen no primeiro turno da eleição presidencial francesa. "Compreendemos que era preciso personalizar o debate, apresentar homens com uma superfície social e de competências, candidatos capazes de manter um discurso sobre a justiça social. Também retomamos vários dos argumentos de Oskar Lafontaine (antigo presidente do NPD que hoje tem as relações com seu partido estremecidas), especialmente quando ele diz que a Alemanha não é governada, que Schröder é um mentiroso que fez promessas e não as cumpriu."
Imediatamente o NPD começou a trabalhar a região, abandonando seu estilo estridente e agressivo e optando por implantar-se com paciência nas comunidades menores. O partido foi ganhando militantes, e, melhor ainda, políticos conhecidos e desorientados, saídos dos partidos tradicionais. Seus primeiros eleitos entraram para os conselhos municipais, conferindo ao partido um pouco da respeitabilidade que torna uma formação política "freqüentável". Os resultados eleitorais das últimas eleições regionais não deixam dúvida alguma em torno do surgimento desse extremismo modesto nas pequenas comunidades. Enquanto, em todas as grandes cidades, a pontuação eleitoral do NPD fica bem abaixo de sua média regional, o inverso acontece em quase todas as cidades pequenas. Em duas circunscrições, na Suíça saxônica e em Annaberg, o NPD obteve 15,1% e 14% dos votos, respectivamente.
Um pé bem firme entre os setores conservadores, outro que parte em direção a uma juventude sem perspectivas locais: militantes experientes passaram a freqüentar as saídas das escolas, participando da animação e na gestão dos raros centros para jovens que escaparam da queda da antiga RDA. Onde estes centros não existiam, eles souberam adiantar-se aos jovens que, nas noites de fim de semana, tomam cerveja nos estacionamentos de postos de gasolina, ao som de um rock violento. Em lugar do desfile de carrancudos musculosos e dos confrontos físicos, chegou o momento das discussões em que o militante sente na carne as angústias de jovens que não têm outro futuro profissional exceto o de serem obrigados a se exilar no ocidente, para ali procurar trabalho. Os mais combativos o fizeram. E muitos daqueles que o fizeram caíram nas malhas do NPD, que soube explorar sua revolta ou seus ressentimentos, atribuindo a culpa por tudo ao estrangeiro. Que a imigração seja, na Saxônia, bem menor do que no lado ocidental da Alemanha; que, numa região onde o trabalho já é pouco de qualquer maneira, a mão-de-obra imigrante não possa ser apresentada como sendo concorrente da mão-de-obra local, nada disso parece ter incomodado os estrategistas do partido, nem aqueles aos quais estes se dirigem.

Inimigos da globalização
Os neonazistas do NPD são hábeis em mudar pontos de referência de lugar, em jogar com todas as armas. Como outros militantes em lados opostos do espectro político, eles se apresentam como inimigos da globalização e da desconstrução social que ela gera, como adversários virulentos dos EUA e de Israel, como partidários convictos de uma Europa onde uma Rússia autoritária deveria poder assumir seu devido lugar, como último forte de defesa contra as ondas vindas da Ásia. Em sua campanha eleitoral, o NPD distribuía gratuitamente às portas das escolas um CD no qual, ao lado de Frank Rennicke, o bardo de extrema direita que canta "o país de nossos pais", o grupo Abbatoir (Matadouro) saudava "a hora dos patriotas", enquanto Neue Werte, menos respeitoso, gritava "fuck the USA".
O antiamericanismo virulento que estigmatiza ao mesmo tempo a guerra no Vietnã, no Iraque e no Afeganistão permite também traçar analogias com os bombardeios aliados sobre Hamburgo e Berlim, em 1943 e 1945, permite cantar o martírio do povo alemão, vítima dos vencedores, e vincular a pobreza de hoje às tragédias impostas de ontem. Os argumentos dão certo: em agosto passado, 7.000 pessoas se reuniram na festa do verão do NPD em Mucka, uma cidadezinha situada entre Bautzen e Gorlitz, a pouca distância da fronteira polonesa.
Na Saxônia, as tropas mais numerosas do eleitorado do NPD foram recrutadas entre os homens de menos de 30 anos, desempregados que, com freqüência, iam votar pela primeira vez. São eleitores frustrados: segundo um estudo recente, 54% dos partidários do NPD acreditam possuir menos do que mereceriam. Na Alemanha como um todo, apenas 37% das pessoas pensam assim.
"O poder político se define por sua eficácia e sua legitimidade, saída de uma eleição", resumiu Klaus-Peter Sick, historiador e pesquisador do Centro Marc Bloch, em Paris. "Durante quase 60 anos, entre 1933 e 1990, o Estado do país foi privado de eleições democráticas. A democracia parlamentar e liberal é pouco enraizada. O que conta por aqui, muito mais do que em outras partes da Alemanha, é a coesão da comunidade, aquela que redistribui o poder. A preservação da democracia vem depois. Uma reunificação mal concluída levou milhares de jovens a deixar a região em busca de trabalho. Aqueles que ficaram por aqui são os perdedores do sistema, amargurados, dispostos a jogar-se nos braços do NPD, também porque sua revolta contradiz o antifascismo ritual que era o de seus pais na RDA."

Medos e fantasmas
Com um discurso feito sob medida, no qual cada ouvinte pode reconhecer seus medos e cultivar seus fantasmas -os EUA, os fluxos migratórios, a perda dos valores e da autoridade, o desemprego etc.- o NPD parece ter encontrado a pedra filosofal que, no leste europeu, permite transformar problemas em agentes eleitos. O governo federal -que, no ano passado, não conseguiu colocar na clandestinidade um partido cujos responsáveis não ocultam o fato de que querem vingar-se da República- ainda parece desconcertado. Quanto ao futuro governo do Estado da Saxônia, ele será administrado amanhã por uma coalizão "negra e vermelha" feita de cristãos democratas e social-democratas. É o que se chama, na Alemanha, de "uma grande coalizão".
Uma aliança desse tipo governava o país nos anos 1960, na época em que o NPD nasceu. A ausência de uma alternativa ao poder instalado, na época, fortaleceu em muito sua ascensão.
É difícil dizer se, ao colocar a cédula do NPD na urna, os eleitores insatisfeitos da Saxônia também tomaram conhecimento do "subtexto" que envolve o partido -dessas imagens e das cores preto, vermelho e branco dos cartazes, que evocam de maneira irresistível a bandeira com a suástica, desses desfiles de militantes que lembram desfiles do passado, daquelas palavras raras, que aparecem num desvio de frase, que, em tempos passados, eram parte corriqueira dos discursos de Joseph Goebbels, o ministro da Propaganda de Adolf Hitler. Numa sondagem publicada no dia seguinte à eleição, a maioria dos eleitores do NPD afirmou que escolheu esse partido unicamente para expressar sua insatisfação, e nada mais. Não importa. O NPD nunca deixa de aproveitar qualquer ocasião propícia para jogar com reminiscências com efeito subliminar. Às vezes, acontece de garrafas lançadas ao mar chegarem a seu porto de destino pretendido.

Tradução de Clara Allain


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